A exaltação do Poder Local, uma das maiores conquistas da revolução de Abril de 1974, e a necessidade de uma reflexão sobre os desafios actuais e de futuro foram marcas transversais nos discursos oficiais das cerimónias em Vila Verde do 43.º aniversário da ‘Revolução dos Cravos’. Mas foram os ‘cravos’ do PS que acenderam a chama: “Em que gaveta foi metido e com quantas chaves foi fechado, em Vila Verde, o Abril da liberdade de expressão, o Abril do abastecimento de água, o Abril do saneamento?”.
Cervães acolheu as cerimónias com pompa, circunstância e elevada qualidade demonstrada pelos agentes locais.
Vilela, presidente da Câmara vilaverdense retorquiu: “Abastecimento de água já atinge os 90% de cobertura; saneamento, em breve, terá uma cobertura de 75% (…). Os valores do 25 de Abril passam pelo respeito e fortalecimento das relações democráticas todos os dias”.
Os cravos da JS pareciam dar o mote às comemorações oficiais do 25 de Abril em Vila Verde, por entre o frenesim das máquinas partidárias que tentam valorizar-se e puxar dos galões.
Coisas de circunstância que foram ‘ofuscadas’ pela ‘máquina organizativa’ da freguesia de Cervães. Com a presença imponente de um tanque e os militares, a juntar às participações da fanfarra dos escuteiros locais e do Centro Educativo, do próprio rancho folclórico e do Grupo Coral Infanto-Juvenil, foram as gentes da terra, o povo, quem mais brilhou.
São as pequenas revoluções, da instrução à participação cívica activa das colectividades cervanenses, que ficam das comemorações.
E Cervães deu um bom exemplo de que o 25 de Abril vale mais que as questiúnculas político-partidárias e muito mais que o (des)governo dos poder(es) que têm puxado dos galões e assumido como suas as conquistas da revolução.
Incontornáveis, os sempre demorados (mesmo entediantes) discursos oficiais. Se a exaltação pública da revolução teve direito a cerca de 30 minutos de prestação, as intervenções políticas viraram maratona. Cerca de 1h30m.
CERVÃES ASSUME-SE BOM ANFITRIÃO
Com o presidente da Assembleia Municipal ausente, “por razões profissionais”, coube a Martinha Soares liderar os trabalhos.
“É um orgulho receber aqui as comemorações”, começou por dizer o anfitrião, o presidente da Junta de Cervães, Hélder Forte, que sublinhou o facto de o fazer “em Liberdade. Obrigado ao povo de Cervães, obrigado a todos os vilaverdenses”.
Paulo Gomes, autarca de Prado e representante dos presidentes de junta socialistas, abriu as hostilidades: “Exige-se, hoje, respeito pelas diferenças. Celebrar o 25 de Abril é celebrar o Poder Local!”.
Com uma linha avançada e bem colocada nas primeiras linhas de cadeiras, o candidato do CDS-PP à Câmara, Paulo Marques, e a sua comitiva não deixaram de sentir o incómodo de se verem representados por Manuel Pereira, um ex-CDS que agora assume independência em ruptura com a estrutura.
“O 25 de Abril perdeu eficácia e pertinência”, disse. E acrescentou: “Prestar homenagem à liberdade é celebrar os valores da participação e da intervenção”.
PS QUESTIONA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PERGUNTA PELA ÁGUA E SANEAMENTO
Mais cáustico e incisivo, o líder da bancada do PS, Luís Castro. Começou por traçar um cenário de “confiança e esperança num futuro melhor”, realçando que o país assiste, “pelo segundo ano consecutivo, e pela mão de um governo mais atento às questões sociais, à devolução de rendimentos e de pensões aos mais desfavorecidos, ao aumento dos subsídios sociais, à diminuição da taxa de desempregados, à redução do deficit, e a um crescimento e desenvolvimento económico, já reconhecido pelas instâncias internacionais”.
Mas se o quadro nacional está bem florido e com cores vivas, já o concelho – no entender do PS – é ‘negro’. As faltas de liberdade de expressão, água e saneamento contribuem para ‘inquinar’ o concelho, de acordo com Luís Castro.
Ponto um (Liberdade de Expressão): “sempre que a oposição manifesta um diferente pensamento ou diferente visão quanto à forma de gestão da câmara, ou quando aponta outras soluções de gestão, é sempre apelidada pelo poder local de só fazer política pela negativa. Mas mais grave ainda, sempre que a oposição, leia-se ‘o partido socialista’ apresenta diferentes propostas ou manifesta discordância sobre a gestão camarária, é por esta rotulada de fazer ‘terrorismo politico’!”
Ponto dois (Abastecimento de Água): “Como é possível que, passados 43 anos depois do 25 de Abril de 1974, e sabendo nós que o abastecimento público de água é essencial para aquele mínimo de dignidade e qualidade de vida das pessoas, como é possível que a Câmara permita que um grande número de famílias continue sem que a água pingue nas torneiras das suas casas?”.
Ponto três (Saneamento): “…43 anos depois, continuamos rigorosamente no mesmo estado em que vivíamos antes de 74: não há saneamento, e os vila-verdenses continuam a ser obrigados a chamar, periodicamente, o homem da cisterna, para esvaziamento das fossas! E isto, com o beneplácito de uma Camara cujo executivo se mantém há 20 anos, com 20 anos de repetidas promessas do saneamento, e muito em especial em períodos de campanhas eleitorais, promessas que nunca foram cumpridas!”.
VILELA RESPONDE COM NÚMEROS E “OLHOS POSTOS NO FUTURO”
Com a rispidez do discurso socialista a provocar alguma tensão, a intervenção da líder da bancada social-democrata anunciava-se ‘à altura’. Porém, Suasana Silva – com um discurso já preparado e monocórdico – apenas deixou resvalar que “é legítimo contestar” e “liberdade é também respeito”. Seguiu-se a ‘tradicional’ apologia da obra feita.
Coube, então, ao presidente da Câmara, António Vilela, rebater – ao seu estilo – com números “e obra feita”. De forma ténue e ligeira, lembrou que “só em democracia foi possível estarmos aqui, hoje, a celebrar e a falar abertamente”.
Deixou uma palavra aos presidentes de junta e aos agentes de desenvolvimento local, “exemplos de desenvolvimento e de afirmação do Poder Local”.
E, sem nunca demonstrar que respondia directamente à oposição, lá chegou aos números que contrariam a ‘tese castratrofista do PS’: “Os níveis de cobertura do abastecimento de água já rondam os 90% e, muito em breve, teremos uma cobertura de saneamento de 75%. Vamos investir mais de 7 milhões entre 2017 e 2018. Muitas das obras já estão em andamento”.
COM OS OLHOS POSTOS NO FUTURO
Vilela não se prendeu muito ao passado e quis “olhar o futuro”. Educação, formação e emprego estão na sua linha de actuação, mas lá foi focando “a inovação tecnológica e o conhecimento”.
E lá puxou de mais alguns números: “Em três anos, foram criadas 485 novas empresas no concelho; 165 das quais só em 2016. Graças a uma política fiscal amiga das empresas e das famílias”.
Vilela não quis esquecer mais alguns objectivos: “vamos avançar com a qualificação da rede rodoviária concelhia, a par da regeneração e reabilitação urbana, quer nas freguesias, quer nos principais centros urbanos do concelho”. Guardou ainda uma palavra para as áreas do “lazer, desporto e turismo”.
Com a plateia já a entrar em ‘stress discursal’, rematou a presidente da AM em exercício, Martinha Soares, com elogios rasgados à organização e o discurso escrito do ausente presidente do órgão, Carlos Arantes, muito a propósito: “Urge ter consciência de que a qualidade dos 43 anos da democracia continue a crescer!”.
Carlos Machado Silva (CP 3022)