É, provavelmente, a boa notícia dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: O Comité Olímpico Internacional (COI) decidiu criar a primeira equipa olímpica de refugiados que se estreará na cidade carioca.
Assim, no próximo sábado desfilam dez atletas refugiados de quatros países distintos. Dois nadadores sírios, dois judocas da República Democrática do Congo e seis corredores da Etiópia e do Sudão do Sul. Estes atletas tiveram que escapar dos seus países e encontrar refúgio na Bélgica, Quénia, Luxemburgo, Alemanha e Brasil.
Aqui ficam as suas histórias.
Rami Anis, natação, Síria
Este nadador sírio de 25 anos reside actualmente na cidade de Ghent, na Bélgica, e prepara a sua participação nos 110 metros mariposa dos Jogos Olímpicos. Diz que a piscina é a sua casa.
Decorria o ano de 2011, quando Rami com 20 anos fugiu do seu país, a fim de evitar o serviço militar e uma possível participação na guerra civil. Rami seguiu os passos da família e refugiou-se na Turquia.
Quatro anos depois, na Bélgica, treina intensivamente para marcar, pela primeira vez, presença nos Jogos Olímpicos e seguir os passos do seu ídolo. “Estou muito entusiasmado porque vou ver presencialmente o meu ídolo
Yolande Mabika, judo, República Democrática do Congo
Tem 28 anos e participará na modalidade de judo nos Jogos do Rio. Tinha dez anos quando saiu da República Democrática do Congo devido à guerra civil.Conseguiu escapar do seu país através de um helicóptero que a levou para um centro de refugiados em Kinshasa, capital do Congo.
No centro de refugiados, Yolande Mabika começou a praticar o judo com o objectivo de ter uma vida melhor. “Eu fui separada da minha família e costumava chorar muito. Comecei a praticar judo para ter uma vida melhor”, afirmou, citado pela Renascença.
A atleta começou a ganhar torneios no Congo. Em 2013, viajou para o Rio de Janeiro onde iria participar no Campeonato do Mundo da modalidade.
Cansada dos maus-tratos do treinador, Yolande decidiu fugir do hotel e procurou ajuda pelas ruas do Brasil.
A Cáritas Diocesana encaminhou-a para o Instituto Reacção, onde voltou a praticar a sua modalidade. Passado algum tempo, a atleta foi notificada de que ia participar nos Jogos Olímpicos.
“Vou fazer parte de uma coisa que nunca tinha acontecido. Esta é uma oportunidade única na minha vida. Eu sonhei muitos anos em participar nos Jogos Olímpicos e isso agora vai ser uma realidade”, explica.
Popole Misenga, judo, República Democrática do Congo
Hoje com 24 anos, este judoca enfrentou a dura realidade de perder a sua mãe aos oito anos na sequência da guerra.
Um ano depois, Popole decidiu terminar com o sofrimento e fugiu para uma selva onde permaneceu durante oito dias. Seguiu-se uma viagem de barco até à capital da República Democrática do Congo.
Em Kinshasa, enfrentou dias difíceis e “para comer tinha de pedir dinheiro todo o dia numa loja pequena”, contou à Renascença. “Uma vez dormia num sítio, outra vez dormia noutro, até que depois fui para o centro de refugiados.”
No centro de refugiados começou a praticar judo e, anos mais tarde, sagrou-se campeão nacional da modalidade. Popole Misenga começou a competir por toda a África e em 2013 marcou presença no Campeonato do Mundo no Rio de Janeiro.
A par de Yolande Mabika, o judoca fugiu do hotel onde estava hospedado e procurou ajuda. O sonho do judo prosseguiu no Instituto Reacção onde se encontra a preparar a participação nos Jogos Olímpicos.
Popole Misenga pretende “mostrar que os refugiados por todo o mundo merecem liberdade, merecem ser felizes. Nós não fizemos nada para ficar assim.”
Yusra Mardini, natação, Síria
Yusra Mardini é outra atleta da Síria a integrar a primeira equipa de refugiados. A atleta de 18 anos saiu há dez meses da Síria com a sua irmã Sarah, numa embarcação com mais 20 refugiados.
O barco acabou por encalhar na costa turca, encheu-se de água e a nadadora síria, em conjunto com a sua irmã tiveram de empurrar o barco em direcção à Grécia.
Yusra lembra que “algumas pessoas não sabiam nadar” e teve de fazer alguma coisa para que as pessoas no barco não se “tivessem afogado”.
Depois de chegar à ilha grega de Lesvos, a nadadora viajou para a Alemanha com um grupo de refugiados sob orientação de contrabandistas.
No país germânico a atleta começou a treinar em Berlim no Wasserfreunde Spandau 04 e prepara-se para participar pela primeira vez nos Jogos Olímpicos.
Com esta participação, Yusra quer mostrar a todos os refugiados que “depois da dor e da tempestade, vem a bonança. Eu quero inspirá-los a fazer algo de bom nas suas vidas”.
Esta será a segunda grande competição para Yusra depois da participação no Campeonato do Mundo da Turquia em 2012.
Anjelina Lohalith, atletismo, Sudão do Sul
Tem 21 anos e abandonou o seu país de origem aos oito anos. Vai participar na prova de atletismo dos 1.500 metros.
Anjelina não vê os seus pais desde os seis anos de idade, momento em que foi obrigada a fugir da guerra que estava a destruir a aldeia onde habitava. As últimas informações que lhe deram sobre os pais indicavam que estariam vivos.
Refugiou-se no norte do Quénia num centro de refugiados, local onde começou a praticar atletismo. Depois de vencer algumas competições no campo de refugiados, despertou a atenção de treinadores profissionais que a levaram para um centro de treino especial.
Com a presença garantida nos Jogos Olímpicos, a atleta pretende conquistar boas posições nas corridas internacionais para ganhar prémios financeiros significativos. “Se uma pessoa tem dinheiro, a vida pode mudar. A primeira coisa que faria com o dinheiro seria procurar os meus pais e construir uma casa melhor para eles”, confessou.
Yonas Kinde, atletismo, Etiópia
Com 36 anos, Yonas Kinde vai participar pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. É natural da Etiópia, mas encontra-se no Luxemburgo desde 2012.
O atleta lembra com mágoa a sua saída da Etiópia: “É uma situação difícil. Para mim é impossível viver lá. É muito perigoso para a minha vida.”
A paixão pelo atletismo surgiu na adolescência quando começou a praticar Cross-Country. Seguiram-se os 10 mil metros e agora dedica-se à maratona.
Desde que chegou ao Luxemburgo, Yonas Kinde treinava uma vez por dia, mas quando recebeu a informação que ia aos Jogos Olímpicos começou “a treinar duas vezes por dia. É uma grande motivação.”
Há quatro anos no Luxemburgo, Yonas Kinde é taxista e está a aprender francês.
James Chiengjiek, atletismo, Sudão do Sul
Atleta de 28 anos, fugiu há 15 anos do Sudão do Sul para evitar que fosse sequestrado por rebeldes que faziam o recrutamento forçado de crianças para militares.
O sudanês refugiou-se no campo de refugiados de Kakuma, no Quénia. Lá começou a frequentar um centro de treino especialista em corridas de longa distância.
“Foi nesse momento que percebi as minhas qualidades de atleta. Quando Deus te dá um talento, tu deves colocá-lo em prática”, disse.
As condições para a prática do atletismo eram mínimas. Por diversas vezes teve de pedir sapatilhas emprestadas. “Muitos de nós tivemos lesões por causa do calçado inadequado que usávamos. Para combater as lesões, nós trocávamos de calçado. Quem tivesse dois pares de ténis podia ajudar quem não tinha qualquer par”, revela.
Em 2013, Chiengjiek destacou-se numa competição organizada pela fundação Tegla Loroupe e agora vai participar na prova de atletismo dos 400 metros dos Jogos Olímpicos do Brasil.
“Correndo bem, estou a fazer algo de bom para ajudar outros, especialmente os refugiados”, indica. “Talvez entre os refugiados existam outros atletas talentosos mas que não tiveram oportunidade. Nós, refugiados que temos oportunidade de ir aos Jogos Olímpicos, temos que olhar para trás e ver onde os nossos irmãos e irmãs estão.”
Rose Lokonyen, atletismo, Sudão do Sul
Do campo de refugiados de Kakuma saiu outra atleta sudanesa que faz parte da primeira equipa de refugiados. Rose Lokonyen fugiu há 14 anos do seu país com os seus quatro irmãos. Os pais continuam no Sudão do Sul.
Foi no campo de refugiados que Rose Lokonyen começou a competir. Um professor percebeu as suas capacidades e sugeriu que participasse numa corrida de 10 quilómetros. “Não treinei para essa corrida. Foi a primeira vez que corri e terminei em segundo lugar. Fiquei surpreendida”, confessa a sudanesa.
A prestação nessa corrida levou-a para um centro de treino em Nairobi, capital do Quénia, onde se prepara para a prova de 800 metros nos Jogos Olímpicos.
A atleta vê a oportunidade de participar nos Jogos Olímpicos como uma forma de inspirar os refugiados. “Serei uma representante dos refugiados.”
Paulo Lokoro, atletismo, Sudão do Sul
Há alguns anos, Paulo era um pastor que cuidava do gado da sua família nas planícies sudanesas.
Quando recorda a sua vida é inevitável falar da guerra que assola o seu país. Desde que se lembra de si que o Sudão do Sul está permanentemente em conflito e foi por causa dele que teve de fugir para o Quénia.
Foi também no campo de refugiados que Paulo Lokoro, hoje com 24 anos, iniciou a sua participação em competições desportivas. As boas prestações levaram-no a fazer parte da equipa que treina sob a orientação de Tegla Loroupe, atleta que deteve vários recordes mundiais.
“[Antes de ir para o centro de treino] Nem sequer tinha ténis para treinar. Agora, temos treinado e sabemos plenamente como ser atletas”, contou.
“Sei que estou a correr por todos os refugiados. Há algum tempo eu era um dos refugiados que estava no centro e agora alcancei um lugar especial. Vou conhecer muitas pessoas. Os meus compatriotas vão ver-me na televisão.”
Yiech Pur Biel, atletismo, Sudão do Sul
Foi obrigado a fugir dos conflitos no Sudão do Sul em 2005. Chegou sozinho a um campo de refugiados no norte do Quénia.
Nesse centro de refugiados, Yiech Pur Biel começou a jogar futebol, mas não gostava de depender dos seus colegas de equipa. Isso levou-o a escolher o atletismo porque sentia que tinha maior controlo sobre o seu desempenho.
Quando recorda o campo de refugiados, diz: “Não temos instalações dignas, andamos descalços e não vamos à escola. As condições climatéricas não favorecem a prática do atletismo porque sente-se muito calor durante o dia.”
Apesar das dificuldades, o sudanês, de 21 anos, prossegue os treinos rumo aos Jogos Olímpicos. “Posso mostrar aos restantes refugiados que têm oportunidade de ter uma vida melhor. Podem ter esperança. Podemos mudar o mundo pela educação ou prática desportiva.”
FG (CP 1200) com Renascença