A Ordem dos Médicos está disponível para estudar as vantagens e riscos da prescrição de canábis para fins medicinais, apesar de nunca ter havido um pedido formal nesse sentido por parte das autoridades de saúde nacionais. “A discussão terá de acontecer mais tarde ou mais cedo”, disse ao i José Manuel Silva, bastonário dos médicos que terminará o mandato dia 8 de fevereiro.
Questionado pelo jornal, o director-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) remeteu qualquer iniciativa para a Ordem, em diálogo com o Infarmed. Já a Direcção-Geral da Saúde, que emite orientações clínicas, segue o entendimento do SICAD e não está a estudar o dossiê.
Com o pontapé de saída nas mãos dos médicos, caberá ao novo bastonário, Miguel Guimarães, desencadear o processo. “Sendo um assunto crescente a nível internacional, fará todo o sentido que os médicos portugueses se pronunciem”, disse ao i Miguel Guimarães, antecipando que poderá lançar esse debate no âmbito do conselho para política do medicamento da Ordem.
A mudança poderá também ser precipitada por São Bento. No parlamento, BE e PCP já propuseram o avanço da legalização da canábis para fins terapêuticos. O projeto do Bloco, rejeitado em 2015, pretendia ir mais longe, legalizando o consumo de canábis em clubes sociais.
A última análise da Organização Mundial da Saúde sobre o uso terapêutico da canábis, comissionado a Bertha K. Madras, professora de Psicobiologia na Universidade de Harvard, concluiu que, quando estão em causa drogas com efeitos psicoativos, são precisos critérios “rigorosos” para o seu uso como medicamento.
FINS TERAPÊUTICOS
Nos Estados Unidos, 28 estados autorizam o uso de canábis para fins terapêuticos e a Alemanha acaba de legalizar a prescrição.
Esclerose múltipla
- Um estudo no Reino Unido, citado pela OMS, revelou que 14% a 18% dos doentes com esclerose múltipla utiliza canábis para alívio dos sintomas de espasticidade (contração muscular involuntária), dor e insónia. O uso continuado já foi associado a perdas cognitivas.
Dor neuropática
- Surge associada a diferentes doenças, como sida, cancro ou artrite reumatoide. Segundo a última análise a pedido da OMS, em 2015, embora o efeito da canábis seja promissor, os ensaios acompanharam os doentes durante períodos curtos.
Alzheimer
- O efeito sedativo dos canabinoides tem sido apontado como potencial mais-valia na gestão da doença de Alzheimer, nomeadamente dos distúrbios do sono. Já há medicamentos aprovados pela FDA para esse fim.
Náuseas da quimioterapia
- O uso de canabinoides por doentes a fazer quimioterapia foi um dos primeiros a ser estudado, com o desenvolvimento de THC sintético. O alívio das náuseas é uma das indicações mais comuns nos Estados Unidos.
Doença de Crohn
- Alguns estudos têm apontado para o efeito terapêutico em casos de doentes em que os tratamentos convencionais não controlavam a doença. Segundo o estudo da OMS, não é claro se os canabinoides reduzem a inflamação ou se atenuam apenas sintomas como a dor e perda de apetite.
Glaucoma
- É outra doença em que o uso da canábis está a ser estudado. Baixa a pressão sanguínea e parece reduzir temporariamente a pressão ocular. Como o efeito é limitado, assinalou a análise da OMS em 2015, é preciso fumar canábis seis a oito vezes por dia para obter um controlo constante da pressão ocular, o que tem um efeito significativo na capacidade cognitiva. Outro desafio é que o olho começa também a desenvolver resistência.
FG (CP 1200) com jornal i