Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa indica que a pandemia de covid-19 está a aumentar as desigualdades sócio-económicas, sendo elas próprias um factor que pode contribuir para um maior ou menor grau de contágio. Concelhos mais ricos e com mais emprego têm menos casos da doença, revela ainda o estudo.
Analisando os resultados do inquérito semanal à pandemia, em concreto as respostas que foram dadas por cerca de 4 mil portugueses na semana de 25 de Abril a 1 de Maio, os investigadores concluem que “uma em cada quatro pessoas que ganham menos de 650 euros mensais (agregado familiar), perderam totalmente o seu rendimento” desde que se iniciou a pandemia em Portugal. Já na categoria dos que ganham mais de 2.500 euros esse valor desce para 6 %.
Em termos globais, mais de metade (52%) disseram não ter registado perdas de rendimento, mas entre os que auferem entre 651 e 1.000 euros esta percentagem desce para 44%. E no grupo acima dos 2.500 euros, 75% não tiveram quaisquer perdas de rendimento.
O documento refere que “as desigualdades podem surgir em fases distintas da doença: na infecção, no diagnóstico (e por vezes no tratamento) e no resultado (por exemplo a sobrevivência)”.
“A falta de compreensão em algumas camadas populacionais sobre a forma como se propaga a doença, pode dificultar a implementação ou adopção das medidas propostas pelos governos para combater a pandemia, como o cumprimento adequado da etiqueta de higiene ou o uso apropriado de equipamentos de protecção”, refere o documento.
Até a avaliação da necessidade de distanciamento social “pode ser comprometida por um menor nível de literacia, o que pode justificar algumas fugas ao confinamento obrigatório”.
Outros factores de desigualdade são a precariedade no trabalho, uma remuneração desadequada face ao custo de vida e a dificuldade de acesso a apoios sociais que “podem impedir que as pessoas se resguardem mais nas suas habitações, para se protegerem do vírus”.
Os investigadores dão o exemplo de “trabalhos que não podem ser realizados à distância (tele-trabalho) ou a necessidade de continuar a fazer pequenos trabalhos para garantir a subsistência a curto prazo”, como variáveis que “sujeitam as pessoas a uma maior exposição à infecção”.
DESIGUALDADES GEOGRÁFICAS
O estudo analisou também os dados da Direcção Geral da Saúde sobre a distribuição da covid-19 pelos 308 municípios do país e verificou que “é nos concelhos onde existe maior densidade populacional que existe também uma maior incidência acumulada de casos”.
“Os concelhos com menor taxa de desemprego, maior média de rendimento e menor desigualdade de rendimento são também os locais onde existe menor número acumulado de casos”.
O acesso aos cuidados de saúde pode estar a influenciar o número de casos confirmados “simplesmente porque a maior acessibilidade aos serviços de saúde pode significar também um maior número de testes efectuados. Neste capítulo, “os concelhos com mais médicos por mil habitantes têm também maior número de casos face aos restantes”, pelo que “um melhor serviço de saúde” será “determinante para um maior diagnóstico de casos positivos”.
EUROPA DESIGUAL
A partir da análise de dados de 15 países europeus, a ENSP constata que uma “maior incidência acumulada de casos por cem mil habitantes é associada a países com maior taxa de desemprego e desigualdade de rendimento”.
No entanto, o estudo ressalva que “as diferentes capacidades financeiras dos países que influenciam os recursos disponibilizados para a realização de testes e as diferentes abordagens nas políticas de testagem entre os países não permitem realizar comparações ao nível do acesso aos cuidados de saúde para aferir a existência de desigualdades”.
Apesar de sublinharem que existem “limitações metodológicas” e que este é um “problema complexo” com “múltiplas variáveis”, os investigadores da ENSP concluem que “a evidência preliminar sugere que a infecção por covid-19 é marcadamente desigual, afectando de forma mais demarcada os concelhos e países que já têm um perfil sócio-económico mais precário”.
Um factor que pode mesmo “exacerbar as vulnerabilidades sócio-económicas já existentes ao nível individual”.
Como conclusões, o estudo da ENSP refere que é necessário apostar em intervenções conjuntas de saúde pública a nível local, regional, nacional e internacional e considera “imprescindível” que os países se organizem para definir “políticas concertadas de saúde e económicas de combate à epidemia”.
Redacção com TSF