Foram anos cruéis e brutais. Os dissidentes definhavam em câmaras de tortura, os rebeldes foram fuzilados a sangue frio e os artistas fugiram para o exterior. “Foi uma época de constante tristeza e medo”, explicou o advogado e antigo ministro da Justiça brasileiro José Carlos Dias sobre a ditadura militar no Brasil em 1964 e que governaria por mais de duas décadas.
“A violência não era apenas algo que os torturadores apreciavam. Era política do Governo”, frisou, em declarações reproduzidas no jornal britânico The Guardian.
Exactamente 45 anos depois, José Carlos Dias, que defendeu centenas de presos políticos durante a ditadura e foi preso três vezes, volta a fazer apelo semelhante.
Esta quinta-feira, intelectuais, empresários e artistas vão estar presentes num dos pátios Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para defender outro manifesto inspirado no grito de guerra de 1977, chamado ‘Carta às mulheres e aos homens brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito’.
“Vivemos um momento de imenso perigo para a normalidade democrática”, adverte a proclamação de 2022, que foi assinada por mais de 800 mil pessoas de todo o espectro político. “Não há espaço para retrocessos autoritários no Brasil de hoje. A ditadura e a tortura pertencem ao passado.”
O documento não faz menção directa ao homem cujas acções inspiraram os seus autores. Mas a sua identidade é clara: o presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, que alguns temem que possa estar prestes a tentar mergulhar o país de volta à ditadura.
“Vivi sob uma ditadura e não quero viver sob outra”, reforçou Dias, que não duvida que Bolsonaro está a planear agarrar-se ao poder antes de uma eleição presidencial que parece prestes a perder.
“As sondagens mostram que será derrotado. Mas não há dúvida de que está a preparar as bases para um golpe. Acredito que quer repetir o que aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos”, afirmou Dias.
Bolsonaro nunca teve problema em admitir o seu desdém pela democracia ou a sua admiração por autocratas como o general chileno Augusto Pinochet. Desde que assumiu o cargo em 2019, Bolsonaro incentivou repetidamente protestos antidemocráticos e atacou as instituições do Brasil. Chegou a convidar a esposa do mais notório torturador da ditadura para visitá-lo no palácio presidencial, chamando-o de “herói nacional”.
Conforme enfrenta uma possível derrota eleitoral e eventualmente a prisão pela resposta calamitosa à Covid-19, Bolsonaro radicalizou-se e já pediu aos seus apoiantes que “tomassem as ruas pela última vez”.
“Somos a maioria, somos um povo íntegro e estamos preparados para lutar pela nossa liberdade”, já declarou o actual presidente brasileiro.
As ameaças e a decisão bizarra de Bolsonaro de convocar embaixadores estrangeiros para destruir o sistema de votação electrónica internacionalmente respeitado do Brasil convenceram alguns de que está a preparar algum tipo de ruptura política pré-eleitoral.
Essa revolta, apontam, pode ocorrer a 7 de Setembro, quando o Brasil comemorar 200 anos de independência de Portugal – Bolsonaro instruiu os seus apoiantes a marchar pela praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, com membros das Forças Armadas.
“É apenas uma loucura e temo que possa haver cenas de violência”, alertou José Carlos Dias Dias.
Chefes dos serviços de inteligência têm investigado se extremistas radicais de direita estão a conspirar para atacar os apoiantes de Bolsonaro no comício e culpar os esquerdistas pelo crime na tentativa de mudar o curso da eleição.
Com Multinews