A alteração dos ponteiros do relógio traz “mais riscos que benefícios” devido à súbita exigência de mudança do “tempo interno” das pessoas, colocando em causa o bom humor, diz Miguel Meira Cruz, presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono.
Miguel Meira Cruz, especialista em Medicina do Sono, não tem dúvidas: a mudança de hora tem impactos negativos na saúde.
“Apesar do impacto ser claramente maior no recuo que exigimos ao tempo em meados de Março, qualquer das direcções em que se proceda uma mudança súbita num relógio de adaptação lenta como o que temos no cérebro, tem prejuízos significativos e potencialmente graves”, explica ao Executive Digest.
O especialista afirma que uma hora a mais de sono com a mudança de hora no Inverno pode, em teoria, promover o bem-estar de quem se encontra privado desta necessidade, sendo o impacto deste benefício maior nas pessoas que se deitam mais tarde e tendencialmente se levantam mais tarde.
“Os matutinos privados de sono, podem sofrer mais nos dias subsequentes à mudança para a hora de Inverno”, dado que para “além da menor flexibilidade na resposta a mudanças, as condicionantes impostas pelo novo horário afectam o humor”, explica o presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono.
SINTOMAS
Meira da Cruz aponta alguns sintomas causados pela alteração da hora, como prevalência de alguns tipos de dores de cabeça, nomeadamente a cefaleia hípnica (surge durante o sono) e a cefaleia em salvas (dor muito forte só num lado da cabeça).
Segundo o especialista em medicina de sono, “estas condições são frequentemente desencadeadas por alterações nos ritmos circadiários estabelecidos naturalmente”. Uma vez que a capacidade de alerta da pessoa oscila com o “carácter circadiário” e com o aumento do tempo na escuridão, o risco de acidentes é também maior.
Para o especialista, a mudança da hora “é mais um exemplo do predomínio de interesses económico-financeiros, que vigora no mundo, em detrimento daqueles dirigidos à promoção da saúde”. “Efetivamente a alteração proposta originalmente por Benjamim Franklin, perspetivava a rentabilização de energia luminosa poupando gastos”, mas “em rigor, não só não se confirmaram os ganhos teorizados, como se tem vindo a descobrir perdas importantes associadas à alteração brusca da hora”, comenta.
GRUPOS MAIS AFECTADOS
“Mudar a hora duas vezes por ano pode ser, de facto, bastante nocivo sobretudo para alguns grupos populacionais”, por exemplo, pessoas vulneráveis em relação ao sono, pessoas imunodeprimidas ou pessoas mais velhas. Explicando que o corpo humano tem “milhares de ritmos”, o especialista referiu que existe a necessidade de que toda a vida no organismo “se sincronize”.
“Quando há alguma instabilidade num relógio biológico que nós temos central, no cérebro, há uma instabilidade nesse maestro, que é o principal relógio biológico, de orquestrar todos os outros relógios biológicos”, disse, acrescentando que a alteração da hora “pode levar a consequências que podem, em algumas circunstâncias, ser dramáticas, de facto”.
Ao Executive Digest, o coordenador da investigação apontou que a discussão da mudança da hora está ligada “essencialmente ao sono”, mas que estas alterações podem ter efeitos, por exemplo, ao nível “da predisposição para o cancro” ou da frequência com que ocorrem episódios cardíacos agudos, como os enfartes.
“A agressão maior não é exactamente nós mudarmos a hora, porque adaptar-nos-íamos, uns mais depressa e outros menos depressa. A questão é que duas vezes por ano ora andamos para a frente, ora andamos para trás, e exigimos que os nossos genes, que são coisas que demoram muitos, muitos anos a adaptar, se adaptem imediatamente. E isso não acontece”, indicou.
Assim, “seguramente era menos perigoso se mudasse uma vez de dois em dois anos”, ou até mais espaçadamente, advogou, afirmando que o desejável seria a permanência “no horário de Inverno, porque é aquele que mais se coaduna com o horário real do sol”.
Com Executive Digest