O debate instrutório do caso do rapto mortal de um empresário da construção civil de Braga, em Março de 2016, decorre esta segunda-feira à tarde, no Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Os magistrados do Ministério Público e os advogados de defesa dos nove arguidos – sete dos quais em prisão preventiva – alegam, perante a juíza de instrução criminal, após alguns acusados do processo terem prestado declarações.
Em causa está o rapto e o assassínio do empresário João Paulo de Araújo Fernandes, de 41 anos, divorciado, que estava com a filha de oito anos, na noite de 11 de Março do ano passado, em Lamaçães, Braga, quando veio passar fim-de-semana, já que estava emigrado em França como um industrial de AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado).
O Ministério Público pretende o julgamento e a condenação dos sete principais arguidos, todos aqueles que estão em prisão preventiva, em penas de 25 anos de prisão efectiva, que é a pena máxima, já com um cúmulo jurídico, prevista pelo Código Penal Português.
À cabeça dos arguidos, na lógica da acusação pública, estão o famoso ‘Bruxo da Areosa’, oriundo de Braga, bem como os três irmãos do clã nobiliárquico Bourbon, os advogados Pedro e Manuel, bem como o economista Adolfo, o primeiro dos quais era então primeiro vice-presidente e secretário-geral do Partido Democrático Republicano (PDR), liderado por António Matinho e Pinto, o eurodeputado e ex-bastonário da Ordem dos Advogados.
Os raptores do empresário da construção civil usaram em Braga walkie-talkies em vez de telemóveis, para evitar os registos dos telefones celulares e a sua própria localização nos momentos a seguir ao sequestro, segundo concluíram investigadores da Polícia Judiciária.
Mas a PJ foi recolhendo outros indícios, como filmagens da passagem dos suspeitos, para além de escutas telefónicas onde, segundo a Judiciária, só quem participasse na execução do rapto e do homicídio poderia conhecer todos os pormenores que foram revelando nos dias seguintes quando os suspeitos falavam ‘à vontade’ pelos seus telemóveis ‘secretos.
WALKIE-TALKIES E NÃO TELEMÓVEIS
Os inspectores apuraram que os walkie-talkies, a caçadeira, as algemas, os gorros tipo passa-montanhas e o vestuário negro utilizados no rapto de João Paulo Fernandes, de 41 anos, encontram-se entre o lote de objectos suspeitos, apreendidos na operação ‘Fireball’, desencadeada em 17 de Maio do ano passado, nas regiões Norte, Centro e Sul de Portugal.
O rapto do empresário bracarense, há onze meses, que terá sido morto na manhã seguinte à que foi sequestrado, já na zona de Valongo, não foi apenas testemunhado pela filha da vítima, ao contrário daquilo que inicialmente seria suposto. O rapto, embora rápido, foi presenciado por vizinhos com a necessária nitidez para fazer o filme dos acontecimentos.
A Polícia Judiciária já reconstituiu, até ao pormenor, o rapto do empresário João Paulo Fernandes, cometido na noite de 11 de Março, à frente da sua filha de oito anos, em Braga.
De uma forma muito discreta tal diligência centrou-se em Lamaçães e só a narração desta primeira parte do rapto e sequestro, nas imediações da garagem do apartamento da vítima, ocupa cerca de dez páginas de um extenso relatório, com todos os pormenores, da Secção Regional de Combate ao Terrorismo e ao Banditismo da Directoria do Norte da Judiciária.
“VAMOS MATAR O TEU PAI”
Assim que a vítima, acompanhada da filha, se preparava para entrar na garagem do prédio, dois Mercedes cinzentos colocaram-se nos dois acessos à zona traseira e desnivelada das garagens, tendo um deles avançado para o carro do empresário João Paulo Fernandes, de 41 anos.
Dois homens, ambos encapuzados e vestidos de negro, agarraram imediatamente o empresário da construção civil, que começou por resistir, implorando-lhes que nada de mal fizessem à criança. Este continuou a ser manietado e agredido, inclusivamente com uma coronhada, enquanto o colocavam, à força, num dos dois Mercedes cinza, furtados três semanas antes, no Porto. Antes da menina fugir, em pânico, procurando socorro junto à Farmácia de Lamaçães, no mesmo edifício do apartamento do pai, os dois raptores ainda disseram: “vamos matar o teu pai!”.
Arrancaram em alta velocidade em direcção ao Porto e seguiram pela Variante Sul até saírem na Portagem de Celeirós em direcção a Sul. Ainda na Variante Sul, ao aperceberem-se que a vítima tentava pedir socorro através de um dos seus dois telemóveis, lançaram ambos os aparelhos para um campo de cultivo, em Braga.
A acusação do DIAP de Guimarães da Comarca de Braga a que a PressMinho teve acesso, refere que os dois raptores directos, isto é, os que agrediram o empresário, foram o “Bruxo da Areosa” e um segurança que andou na campanha do Partido Democrático Republicano (PDR), Rafael Silva (‘Neil’), que na manhã seguinte terão estrangulado a vítima, já em Valongo, enquanto os dois raptores que terão servido de apoio seriam os dois mais novos irmãos do clã de Bourbon, o advogado Manuel Bourbon e o economista Adolfo Bourbon, que terão presenciado o homicídio co empresário minhoto, já depois de ter sido torturado.
O MÓBIL DO CRIME
O móbil do rapto e assassínio do empresário bracarense terá sido ‘avidez’, por receio de perderem o património imobiliário dos pais da vítima e os próprios bens de João Paulo Fernandes com o valor de mais de dois milhões de euros, segundo apuraram a PJ e o MP.
O núcleo duro do grupo suspeito, na iminência de ficar sem o património conseguido por vendas fictícias, realizadas pelos pais do empresário João Paulo Fernandes (a fim do casal septuagenário tirar do alcance dos credores quase duas dezenas de imóveis) terá “decidido e acordado num plano, que a todos envolvia, para tirar-lhe a vida”.
A Judiciária acredita que “pretenderiam continuar a tirar proveito do vasto património imobiliário”, até porque já teriam vendido três imóveis, em Braga, por 390 mil euros, que valeriam bastante mais.
Entretanto, o testemunho de João Paulo Fernandes seria fundamental numa acção judicial, a decorrer no Tribunal de Braga, que poderá anular as vendas fictícias, retirando assim os 12 imóveis definitivamente da posse dos principais suspeitos, através da ‘empresa-cofre’.
Nesta acção pauliana conseguiu-se o arresto de todos esses imóveis, que terá ‘assustado’ os suspeitos. A acção também ‘indignou’ a vítima e os seus pais, uma vez que o advogado Pedro Bourbon contestou a acção, afirmando que as vendas não eram fictícias, mas reais, levando a família do construtor Fernando Martins Fernandes a convencer-se que aquele seu advogado e amigo de casa pretenderia “ficar com tudo”.
Até porque a última vez que o casal septuagenário tentou reunir com o advogado, “para reaver pelo menos metade dos bens», teria sido expulso do escritório e ouvindo «que já não tinham direito a mais nada”.
JG (CP 2015)