O acórdão do caso do empresário de Braga raptado e morto será dia 20 de Dezembro no Tribunal de São João Novo, Porto, anunciou o juiz-presidente William Gilman, no final das alegações finais que assinalaram o final de um julgamento que decorreu mais rápido daquilo que inicialmente se pensava, em função do seu elevado número de testemunhas.
Na última fase do julgamento, as alegações orais, todos os advogados pediram as suas absolvições, um dia depois do Ministério Público ter solicitado a pena máxima, de 25 anos de prisão, para os sete arguidos acusados de envolvimento direto na morte de João Paulo de Araújo Fernandes, de 41 anos, raptado à frente da filha de oito anos, quando ia a entrar para a garagem do seu prédio, na Avenida António Palha, em Lamaçães, Braga.
Os sete arguidos, além de outros dois que não têm a ver directamente com a morte a para quem o Ministério Público quer a aplicação de pesas suspensas a ambos, saberão qual o veredicto antes do Natal, sobre um dos casos mais chocantes de sempre que se conhecem nos anais daquela criminalidade altamente violenta e organizada em Portugal.
Nada faria prever um desfecho tão trágico como quando ao princípio da noite de 11 de Março de 2016, entre as 20h30 e as 20h40, em Braga, um empresário, João Paulo de Araújo Fernandes, acompanhado pela sua filha única, então com oito anos, preparava-se para estacionar o automóvel na garagem do edifício. Subitamente, um Mercedes, de cor cinza, parou na entrada coletiva e, desse modo, impedindo que os sensores eletrónicos encerrassem a porta de fole em chapa.
Perante o olhar horrorizado da criança, bastaram poucos segundos para consumar o sequestro que no dia seguinte acabou em assassínio a 12 de Março de 2016, dentro de um armazém, em Valongo, tendo o cadáver sido depois transportado na mala de um automóvel para outro armazém, este em Baguim do Monte, mas situado já perto do primeiro onde terá sido dissolvido num bidão de ácido sulfúrico.
O Ministério Público refere na sua acusação que os ocupantes desse Mercedes seriam o “terapeuta” Emanuel Marques Paulino (“Bruxo da Areosa”) e o “segurança” Rafael José Cardoso da Silva (“Neil”), o mesmo que em Setembro do ano anterior, 2015, tinha sido motorista de António Marinho e Pinto, na campanha das Eleições Legislativas de 2015, segundo revelou ao juiz de instrução criminal de Guimarães o próprio Pedro Bourbon, que era o vice-presidente e secretário-geral do Partido Democrático Republicano (PDR).
João Paulo Fernandes tinha chegado a Portugal na véspera, 10 de Março de 2016, pelas 23h20, estando previsto regressar a Paris na segunda-feira seguinte, dia 14, pelas 17h50.
A vítima residia e trabalhava em Paris, ganhando cerca de 1.500 euros e as despesas das suas deslocações quinzenais a Portugal eram suportadas pela própria empresa, a Aclipo.
«VAMOS MATAR O TEU PAI»
Três dias depois do sequestro, a Polícia Judiciária reconstituiu os factos, com o apoio da única testemunha, a filha da vítima, que explicou onde o pai tinha estacionado a sua carrinha BMW. Quando João Paulo, dentro da parte coletiva, se preparava para colocar o automóvel, no seu lugar individual, que se encontrava no extremo oposto do portão de fole, tendo acabado de fazer a necessária manobra de inversão de marcha, saiu para abrir o portão da sua garagem, assim como a criança, que ao sair pretendia ajudar o pai. Nesse instante, João Paulo foi agarrado pelo pendura de um Mercedes cinzento e de tom escuro que, segundo o depoimento da criança, gritou para o empresário: «Vamos-te matar!».
Acto contínuo, manietando João Paulo, arrastou-o, enquanto o empresário não só se debatia, tentando libertar-se do sequestrador, como pedia para «não fazerem mal» à filha, enquanto o raptor o agredia, à coronhada, com uma espingarda caçadeira. João Paulo, enquanto pontapeava o criminoso, ainda conseguiu atirar para o chão as chaves do seu apartamento, dizendo à filha: «toma as chaves e vai pedir ajuda!».
A criança, em estado de pânico, mantinha-se num canto da garagem, impotente para socorreu o pai, até que o condutor do carro dos raptores, mais baixo e magro do que o primeiro (aquele que tinha a caçadeira) saiu com uma faca, ajudando o comparsa a colocar a vítima no banco traseiro do Mercedes, mas, ao contrário do outro, actuou sempre sem pronunciar uma única palavra.
Nessa ocasião, já João Paulo sangrava, pois acabara de ser-lhe desferida uma coronhada na testa, tendo o raptor mais alto e estroncado dito à criança, ainda antes de arrancar, novamente no lugar do pendura: «vamos matar o teu pai!». O Mercedes, de cortinas brancas nas traseiras, seguiu a alta velocidade, juntando-se-lhe um outro carro, também Mercedes, tendo sido este veículo de apoio ao carro de intervenção na garagem.
IRMÃOS BOURBON SUSPEITOS
Segundo as investigações da PJ, no segundo Mercedes seguiriam os dois mais novos dos irmãos Bourbon, o advogado Manuel (35 anos) e o economista Adolfo (30 anos), ambos amigos do “Bruxo da Areosa”, sendo que o segundo era mesmo seu funcionário.
Pela descrição da criança, os dois homens envergavam roupa negra, ambos com gorros, também pretos, não utilizando luvas. Seriam de compleição física normal e caucasianos.
A criança, mal ouviu o soar dos dois automóveis em fuga, sempre sem sair da área das garagens, subiu pela porta de emergência para o primeiro piso do outro lado do edifício, pedindo socorro na Farmácia de Lamaçães, seguindo-se o alerta para as autoridades, da PSP e Braga à Polícia Judiciária, de Braga e do Porto, passando pelo INEM, que enviou psicólogos, para ajudar a menina e os familiares mais próximos, o caso do pai da vítima.
A vítima, quando surpreendida, conseguira telefonar a um seu irmão, Fernando, a quem pediu socorro gritando-lhe: «anda à garagem, anda à garagem, não posso falar!». Mas quando o irmão chegou ao local o rapto já estava consumado e a preocupação de uma vizinha foi, contra todas as regras do bom senso, retirar da entrada da garagem o carro da vítima, a fim de, pasme-se, retirar ela própria o seu carro, indiferente à tragédia que aí se vivia e à necessidade de preservar-se o local do crime para ajudar as investigações.
Fernando Araújo Fernandes, irmão da vítima, que estava no Media Markt, a cerca de um quilómetro da garagem do irmão, terá demorado três minutos a chegar ao local e no momento em que se abeirou da zona ainda viu aberta a porta do condutor do carro do irmão e a chave na ignição. Já nada pôde fazer pelo seu irmão a não ser colaborar com as autoridades e auxiliar, quer a sobrinha, quer o seu pai, que logo acorreu para o local.
Um vizinho da vítima jantava nessa noite, quando cerca das 20h30 ouviu o grito de uma criança, tendo ido à varanda, quando viu um Mercedes parado, talvez com os mínimos ligados do lado esquerdo, enquanto do lado direito ouviu trabalhar um outro automóvel.
VIZINHO JÁ DESCONFIAVA
Esse mesmo vizinho tinha já desconfiado dos três ocupantes de um Mercedes, no dia 31 de Janeiro de 2016, tendo telefonado para um agente da PSP com o qual depois trocou SMS. O polícia: «se possível manda novamente matrícula, sei que é 44-II-?, tive algum trabalho, nem ao domingos dão descanso». O amigo: «44-II-14 (Mercedes GL 4×4». O polícia: «de momento não há nada de anormal com a viatura, no entanto, durante o dia, vou comunicar ao pessoal das brigadas, abraço».
As garagens do edifício de apartamentos situam-se na cave da construção, com o acesso pelas traseiras, numa espécie de túnel, um empedrado que tem acesso a Nascente e a Poente, sendo que o Mercedes de assalto terá entrado a Nascente e o outro, o de apoio, permanecido a Poente, junto da saída que dá acesso à Rotunda da Associação Jurídica de Braga, onde fica uma agência da Caixa Geral de Depósitos e uma dependência da União de Freguesias de Nogueira, Fraião e Lamaçães.
Arrancaram ambos no sentido da Variante Sul de Braga, tendo sido lançados os dois telemóveis da vítima, um francês e o outro português, para a berma da estrada, já no final da Avenida Miguel Torga, em São Paio de Arcos, a mais de cinco quilómetros das Portagens da Brisa em Celeirós (Braga).
JG (CP 2015)