Com um Orçamento do Estado chumbado pela primeira vez na história democrática e com a ida às urnas, para umas legislativas antecipadas, existe um calendário a cumprir. Aqui o despacho presidencial de dissolução do Parlamento assume um papel vital. Mas o que acontece à ‘bazuca’, aos aumentos das pensões e da função pública e, afinal, o que significa governar por duodécimos?
Com as bancadas do BE e do PCP a juntarem-se ao PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal, a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2022, não passou esta quarta-feira à tarde no Parlamento, abrindo-se uma nova agenda política, marcada por formalidades e prazos legais, a serem cumpridos por Belém, pelo hemiciclo e ainda pelo Executivo que sair das legislativas.
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu que será rápido a cumprir os prazos que a lei eleitoral lhe impõe.
DISSOLUÇÃO DA AR
Antes de mais, recorde-se, que Marcelo Rebelo de Sousa avisou que, com o chumbo da proposta orçamental, avançaria para a dissolução do Parlamento. Mas há etapas que não podem ser ‘saltadas’ por Belém. Entre elas, as audições do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, do próprio António Costa e dos líderes partidários.
Quanto a Ferro e Costa, estes foram já chamados a Belém, onde se encontram com o Presidente da República ainda esta quarta-feira noite. Já os partidos serão recebidos no sábado por Marcelo – que reúne com os parceiros sociais na sexta-feira.
Além disso, há um Conselho do Estado – que está já marcado para 3 de Novembro. Então sim, já se pode dar a dissolução.
Recorde-se ainda que, já na terça-feira, se Ferro Rodrigues acelerou o processo a pedido de Marcelo e começou a ouvir os partidos sobre eleições antecipadas, o presidente da República também recebeu Paulo Rangel, a pedido do candidato à liderança do PSD, para ‘sentir pulso’ à direita. É expectável que Nuno Melo, dado o processo de disputa interna no CDS, também possa ser chamado a Belém.
Estas são etapas que até ao início da próxima semana podem estar cumpridas.
DECRETO PRESIDENCIAL
A lei eleitoral da Assembleia da República estabelece que Marcelo Rebelo de Sousa tem 55 dias para a marcação de uma data das eleições assim que fizer publicar o decreto presidencial de dissolução do Parlamento em Diário da República.
Imagine-se que tal publicação ocorre a meio da próxima da semana que vem, as legislativas poderiam ser marcadas a partir 10 ou 11 de Janeiro de 2022.
ELEIÇÕES
Com processos eleitorais internos no PSD, no CDS, e ainda no Chega, Marcelo Rebelo de Sousa pode dar tempo à oposição para se reorganizar e apresentar-se renovada, ou com os mesmos líderes, nas legislativas. Por isso, é expectável que as eleições possam ser marcadas para meados de Fevereiro.
APRESENTAÇÃO DE CANDIDATOS
Assim que houver uma data, os partidos têm de apresentar as suas listas de candidatos a deputados até 41 dias antes da ida às urnas.
MUDANÇAS À DIREITA
O PSD tem eleições a 4 de Dezembro. Se aparecer um terceiro candidato, além de Rui Rio e Paulo Rangel, o fim-de-semana seguinte pode ser usado para uma eventual segunda volta. Os órgãos internos sociais-democratas, como a direcção do partido e o Conselho Nacional (o parlamento do PSD), têm de ser eleitos em Congresso.
É expectável que essa reunião magna ocorra um mês depois das directas, mas a precipitação dos acontecimentos pode levar os sociais-democratas a acelerar a agenda interna e a validar os novos dirigentes de forma mais rápida – Rangel já estará a movimentar-se nesse sentido.
No caso do CDS, o calendário é diferente, porque o futuro líder é eleito em congresso, que está marcado para o último fim-de-semana de Novembro. Já o Chega, também se reúne no final do próximo mês, não se esperando mudanças na sua liderança – apesar de haver um candidato opositor a André Ventura.
DUODÉCIMOS
Assim que entrar em Janeiro de 2022, o país passa a ser gerido por duodécimos – ou seja, o Governo pode gastar 1/12 da despesa total do Estado em 2021.
Tendo em conta que o OE 2022 previa um crescimento da despesa, isso significa que haverá menos fundos disponíveis face ao planeado. Além disso, como a lei que vale continua a ser o OE 2021, tem também de ser respeitada a distribuição de fundos entre os programas, o que significa que essas prioridades também não podem ser alteradas.
Em última análise, como estas medidas que se deixam de aplicar do lado da despesa agravam o saldo orçamental, mas os impostos continuam a ser cobrados, o défice até pode cair mais rápido do que o previsto.
MEDIDAS DE OE 2022
As medidas do OE 2022 não passam. Tem sido um dos principais argumentos do PS para criticar o chumbo do BE e do PCP. Isso significa que medidas como o aumento dos funcionários públicos e o aumento extraordinário de pensões não são aplicadas.
O mesmo acontecerá com o alívio de IRS, através do desdobramento de escalões ou da já anunciada subida do mínimo de existência. De referir que, no caso dos salários da Função Pública, é sempre possível que, quando o novo orçamento seja aprovado, esses reforços de remuneração, a manterem-se, sejam aplicados com retroactivos.
Mais complicadas poderão ser as matérias relacionadas com legislação laboral, como a subida prevista do salário mínimo. São temas extra-orçamento, mas que têm feito parte da negociação do mesmo. Ainda quinta-feira, o Governo aprovou uma série de medidas em Conselho de Ministros, naquilo a que chama a Agenda do Trabalho Digno. Algumas delas representavam aproximações às posições dos partidos de esquerda. O futuro destas medidas pode depender do resultado das eleições.
O QUE ACONTECE À ‘BAZUCA’ (PPR)
É a maior incógnita de uma governação em duodécimos. Por um lado, nada impede que os fundos europeus cheguem a Portugal. Por outro, como a execução da despesa está limitada aos tectos do ano anterior – especialmente relevante no caso do investimento público, porque se previa um salto grande em 2022, de perto de 30% -, a sua execução pode ficar comprometida.
Para 2022, o Plano de Recuperação e Resiliência representa uma injecção de três mil milhões de euros na economia portuguesa. É o que permite que o OE 2022 dê um estímulo à actividade, ao mesmo tempo que o défice recue.
A ‘bazuca’ tem a particularidade de ter objectivos e prazos relativamente apertados de execução que, se falharem, podem comprometer a utilização dos mesmos. Marcelo tem assumido a execução do PRR como uma das suas principais preocupações, tendo já falado em “governar com o OE deste ano dividido por 12 e sem fundos europeus”.
No entanto, até isso pode ter solução. Especialistas ouvidos pelo semanário Expresso sugerem ser possível fazer uma alteração urgente ao OE 2021, dirigida especificamente à execução de fundos europeus, para conferir maior flexibilidade a 2022. A própria natureza contabilística dos fundos poderá permitir alguma flexibilidade na execução.
COSTA EM GESTÃO
Após as eleições, o futuro Parlamento tem de reunir ao terceiro dia após o apuramento dos resultados das eleições, que a Constituição estabelece que tem de acontecer num máximo de 10 dias. Assim que os deputados reunirem, Marcelo já terá ouvido os partidos eleitos para a Assembleia da República.
O ainda Governo de António Costa entra em gestão com a primeira reunião do hemiciclo e até Belém dar posse ao novo elenco executivo. Se as eleições forem em Fevereiro, todos estes passos poderão ainda acontecer nesse mês ou ocorrerem já no início de Março.
PRIMEIRO TESTE
Tomada de posse do novo Governo feita, há que contar com um prazo de 10 dias para que o novo primeiro-ministro submeta à aprovação do Parlamento o programa de governação.
Não é líquido que quem saia das legislativas vencedor tenha força suficiente para aprovar tal programa. Foi isso que aconteceu com as legislativas de 2015, em que o de Passos Coelho foi chumbado pela maioria de esquerda.
NOVO ORÇAMENTO
Programa de Governo aprovado, falta então um Orçamento do Estado. Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que pode não haver uma proposta orçamental antes de Abril de 2022.
Como é uma incógnita a futura geografia parlamentar, nada garante que não venhamos a estar perante o mesmo impasse agora gerado e o País de novo sem um plano de gestão das suas contas aprovado. E nisto, terão voado seis meses no calendário político.
Redacção com Visão