Uma reportagem realizada pela Al Jazeera, e divulgada esta terça-feira, sugere que a pandemia pode ter trazido ao de cima a discriminação estrutural que sempre existiu em Portugal contra comunidades de minorias raciais.
De acordo com a televisão do Qatar, proprietários de pequenos negócios destas minorias em “bairros marginalizados” sentem-se mais “vigiados pela polícia”, desde que surgiu o primeiro caso de covid-19 no país, e garantem que a pandemia veio evidenciar as desigualdades e o racismo que se vive em Portugal.
Na reportagem, Sandra Pina, uma emigrante cabo-verdiana, que abriu uma pastelaria nos subúrbios de Lisboa em Agosto deste ano, garante que a PSP, em Setembro, informou-a de que tinha de encerrar o estabelecimento, acusando-a de não cumprir as novas normas de combate ao covid-19, alegações que, por sua vez, a proprietária nega. Ainda de acordo com a queixosa, a polícia disse que tinha sido enviada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).
Comparando com bairros onde existem mais cidadãos brancos e com maior poder económico, José Sinho Baessa da Pina, membro da comunidade de Casal Boba, na Amadora, garante que as restrições devido à pandemia são mais apertadas nos “bairros marginalizados”.
“Tratam-nos de forma diferente. Parece que não estão aqui para nos proteger, mas para nos provocar”, acusa.
“A classe baixa, a classe negra, não parou de trabalhar durante todo o caminho durante a pandemia. Todos os dias, os autocarros daqui ficam lotados e os comboios para Lisboa estão cheios de faxineiros, operários, trabalhadores de supermercados e seguranças como eu. Estamos na linha de frente”, diz.
O artigo refere também que “este sentimento sente-se nas periferias” da capital, especialmente em áreas onde existem “mais comunidades de afro-descendentes”. Relações entre minorias raciais e a polícia estão a degradar-se, alerta a reportagem.
“Temos praticamente todos os dias queixas de proprietários de negócios dos subúrbios”, adianta também Mamadou Ba, presidente do SOS Racismo, que denota ainda que a pandemia trouxe o quadro legal e institucional que permite que as autoridades discriminem os bairros racializados.
Com a mesma posição, a antropologista Ana Rita Alves, especialista em racismo em Portugal, acrescenta que “a comunicação social tem contribuído para a criminalização de pessoas racializadas nas periferias, transmitindo a ideia de que estas áreas são locais que precisam de ser ‘limpos’ e ‘civilizados’”.
À Al Jazeera, fonte oficial da PSP garantiu que as operações que leva a cabo não priorizam as periferias e não escolhem determinados tipos de estabelecimentos.
“As operações do PSP são realizadas em todas as grandes cidades sem priorizar a periferia em relação ao centro e sem visar certos tipos de estabelecimentos”, diz a Polícia em comunicado à emissora catariana.
“Desde o início da pandemia, o PSP tem exercido plenamente as suas funções de forma consistente em todo o país, como o demonstram as inúmeras operações que são acompanhadas pelos meios de comunicação”, refere o comunicado, citado pela Al Jazeera.
Legenda: foto de Ana Naomi de Sousa / Al Jazeera