REPORTAGEM
Fernando Gualtieri (CP 1200), em Budapeste
Há algo de irónico que a animação nocturna de Budapeste, tida como uma das cidades mais belas e monumentais do mundo, tenha encontrado poiso em edifícios em ruínas. Palacetes, pátios abandonados, fábricas, oficinas e armazéns desactivados renasceram nas mãos dos ‘Ruin Pubs’, os ‘pubs em ruína’. Não é preciso grande esforço para descortinar algumas parecenças com a Fábrica, que em meados dos anos 80 deu um piparote na noite ‘oficial’ bracarense.
Os ‘ruin pubs’, apesar de cada um deles ter uma identidade própria, partilham aspectos em comum. Estão instalados em edifícios abandonados de grande envergadura, de dois ou três andares, com um ou mais pátios, decoração excêntrica, quase sempre assinada por artistas locais, música ao vivo e dj’s. Muitos deles funcionam como centros de cultura comunitária.
Em pouco mais de uma década, estes pubs em ruína (‘romkocsma’ em húngaro) transformam-se na nova coqueluche da movida da capital da Hungria, alternativa, sobretudo para os jovens, às casas de strip-tease, aos bares, caves e pubs desenhados a preceito para o turista.
O pioneiro foi o Szimpla Kert (‘simples jardim’, em tradução literal do húngaro), que abriu portas em 2002.
“Depois do Szimpla, muitos outros apareceram por todo centro da cidade como cogumelos”, conta ao PressMinho um taxista.
Não deixa também de ser irónico que a banheira esmaltada e o Trabant transformados em maples, as cadeiras recuperadas da sucata ou os candeeiros de bric-à-brac que ornamentam a velha fábrica do Szimpla estejam a dois quarteirões dos famosos frescos do seculo XIX, dos abajures venezianos e das colunas banhadas a ouro do New York Cafe, o exemplo máximo da Belle Époque, unanimemente considerado o mais bonito café do mundo.
O Szimpla não fica atrás: exibe orgulhoso o estatuto de mais famoso ‘ruin pub’ de Budapeste e, logo, do mundo. Título merecido.
Bairro judeu no centro da movida
Hoje existem cerca de três dezenas pubs em ruína, na sua maioria com residência no Bairro Judeu, bem no centro da capital magiar, onde a cada passo se encontram edifícios abandonados e decrépitos, alguns desde a deportação de dezenas de milhar de judeus na II Guerra Mundial e da deslocalização da comunidade cigana para os subúrbios entre 1960 e 1980.
O Szimpla -e toda a sua excentricidade vigiada pela grande chaminé da antiga instalação industrial que espreita para o pátio- fica nas imediações da Grande Sinagoga. Partilha a rua Kazinczy com outros dois pubs em ruína, o Elláto Kert e o Kõleves Kert, e um par de pátios ocupados pela street-food.
Junto à Opera está o Instant- Art.Bar. Wood, com o seu célebre porco ‘voador’ de espelhos (que substitui avantajada e suinamente as ‘velhinhas’ bolas espelhadas das ‘disco’ dos anos 60 e 70), os coelhos saltitantes, o morcego gigante de cartola e olhos raiados de sangue, e inúmeras salas animadas por dj’s. É o preferido dos jovens estrangeiros e, diz quem sabe, o mais louco.
Não muito distante, fica a ‘casa dos dentes’ ou da ‘cremalheira’, oficialmente o Fogas Ház- Ruin Bar Complex. Ocupa dois armazéns, dois edifícios, um pátio arborizado, espaço que partilha com hostel, local ideal para quem gosta de adormecer a ouvir funky até às 6 horas da manhã…
“Estes pubs são frequentados, por húngaros mas sobretudo por jovens internacionais”, explica o taxista e cicerone do PressMinho pelo roteiro dos pubs em ruína. O preço das bebidas convida a uma bebedeira sem sobressaltos para a bolsa.
A Fábrica e os Mão Morta
Há três décadas, a Fábrica também conquistava os jovens e a boémia, não só da Cidade dos Arcebispos mas de todo o Norte e da Galiza, antecipando um outro espaço ícone da noite de Braga: o também defunto Deslize, junto à Sé Catedral.
O projecto é de Bino Gomes, que transforma um par de salões desactivados da fábrica de móveis da família em bar alternativo. Rapidamente, a Fábrica converte-se no ‘covil’ predilecto de artistas, académicos, jornalistas, professores, estudantes e de empedernidos notívagos sem escola. O seu chouriço assado bateria, ainda hoje, as salchichas ‘home made’ do Szimpla.
É a partir deste espaço escondido numa quelha da freguesia de Sequeira que, por exemplo, os Xutos & Pontapés partem à conquista do país com o seu ‘Homem do Leme’.
Por ali também passam bandas de garagem e os músicos que hoje dão corpo à banda bracarense Mão Morta. São eles, que anos depois, retratam no tema ‘Budapeste’ uma sociedade magiar que, em 1991, vive febril de euforia a retirada das tropas soviéticas.
“Sempre a Rock and Rollar”
“Charro Aqui Charro Ali/ Mais uma Vodka para Atestar/Sempre a Abrir Noite Toda/ Sempre a Rock and Rollar/ As Noites de Budapeste/São Noites/ De Rock and Roll”, cantam os Mãos Morta.
Hoje, noite da Budapeste é diferente daquela celebrizada pela banda de Braga e o rock and roll foi praticamente atirado para a prateleira pelas ‘play lists’ das grandes editoras discográfica americanas e britânicas (e russas).
Budapeste readquiriu o seu ‘genético’ tom reservado. O que se compreende num país, membro da União Europeia, com 10% dos 9,897 milhões de habitantes endividados, 150 % sem possibilidade de pagar atempadamente a factura da electricidade, outros 700% quem nem um cêntimo têm para cobrir a conta de água e 13,5 por cento de desemprego jovem.
E, como já não fosse suficiente, liderado por um executivo neo-fascista (ou ultra-conservador, se se quiser ser simpático) que “censura, cala os media opositores ao governo, encerra rádios independentes e despede centenas de jornalistas dos meios de comunicação social públicos”, como nos conta a socióloga Krisztina Keresztély.
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