A nicotina pode proteger contra vírus covid-19, especialmente, em casos graves, a atenuar excessiva reacção imunitária do corpo. Os médicos acreditam que a presença de nicotina pode diminuir a resposta imune excessiva que caracteriza os casos mais graves da doença que pode levar à morte.
Essa hipótese, já apontada pelos médicos chineses no início da pandemia, agora é compartilhada por especialistas franceses do principal hospital de Paris, La Pitié-Salpêtrière, um dos maiores complexos médicos e de pesquisa da Europa.
Observações simples nas últimas semanas já chamavam a atenção dos médicos parisienses, surpreendidos com os relativamente poucos casos graves de covid-19 na população prisional e entre pacientes em hospitais psiquiátricos, grupos com alta taxa de tabagismo.
Antes de realizar o estudo, o professor Amoura foi alertado sobre o possível efeito positivo da nicotina por um neurobiólogo de renome mundial, Jean-Pierre Changeux, especialista em ‘receptores nicotínicos’.
O cientista sugeriu que a nicotina poderia impedir que o vírus se ligasse às células, impedindo a propagação da infecção. Essa hipótese parece ser confirmada pelo estudo e também após verificar que alguns pacientes fumadores hospitalizados pelo covid-19, quando forçados a parar subitamente, teriam piorado.
Para obter mais dados, foi então iniciado um estudo com 343 pacientes hospitalizados e outros 139 com sintomas mais leves de covid-19, em acompanhamento ambulatório. Verificou-se se os pacientes fumavam ou não e foram comparados com a mesma faixa etária e sexo da população em geral.
A conclusão foi clara: havia uma proporção muito pequena de fumadores entre os pacientes. “Encontramos apenas 5% de fumadores entre os doentes, o que é muito baixo”, disse à rádio France Inter o professor de medicina interna Zahir Amoura, autor do estudo. “Globalmente, temos 80% menos fumadores entre pacientes covídeos do que na população em geral do mesmo sexo e idade”.
“O nosso estudo transversal sugere fortemente que os fumadores diários têm uma probabilidade muito menor de desenvolver infecção por SARS-CoV-2 sintomática ou grave em comparação com a população em geral”, escrevem os autores.
“O efeito é significativo, divide o risco em cinco para pacientes de ambulatório e em quatro para pacientes hospitalizados. Raramente se vê isto na medicina”, diz a epidemiologista Florence Tubach (Pitié-Salpêtrière, Universidade Sorbonne), co-autora do estudo.
Um artigo chinês publicado no final de Março no The New England Journal of Medicine chegou a conclusões semelhantes. Analisaram 1.000 pessoas infectadas e descobriram que 12,6% eram fumadores, enquanto a proporção na população em geral é de 28%.
No entanto, os médicos sabem que é preciso cautela, porque garantir agora que a nicotina pode ser benéfica interrompe uma tendência de anos de combate ao tabaco por causa dos comprovados efeitos prejudiciais à saúde. Não se trata de incitar as pessoas a fumar, mas os médicos também não podem ocultar a descoberta.
O Ministério da Saúde francês deu luz verde a um ensaio clínico no qual adesivos de nicotina seriam aplicados a três grupos diferentes, com doses diferentes: pessoal médico, para ver se os protege; para pacientes hospitalizados, para verificar se os sintomas diminuem e para pacientes graves em terapia intensiva, para verificar se a inflamação nos pulmões desaparece.
Antes da Assembleia Nacional, o ministro da Saúde da França, Olivier Véran, descreveu a pesquisa sobre nicotina como uma “pista interessante”, embora tenha enfatizado que “fumar mata” e que a população não deve tirar conclusões erradas ou se auto-medicar com adesivos de nicotina.
Apenas algumas semanas atrás, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou que os fumadores estavam provavelmente mais expostos ao covid-19 devido a uma condição ou capacidade pulmonar preexistente, uma vez que cigarros e cachimbos poderiam ser contaminados quando tocados antes com as mãos.
Redacção com Le Monde e La Vanguardia