O grupo de investigação 3B’s da Universidade do Minho (UMinho), numa colaboração com o Canary Center for Cancer Early Detection da Universidade de Stanford (EUA), criou, pela primeira vez, estruturas biológicas similares às fibras ópticas, utilizando açúcares de algas e bactérias. O trabalho foi o tema de capa da revista Advanced Materials, uma das melhores do mundo na área
O seu fabrico é rápido e barato, permitindo, por exemplo, detectar forças físicas, detectar a covid-19 ou gerar modelos 3D de doenças como o cancro.
O estudo foi já elogiado internacionalmente nos portais Advanced Science News e Nanowerk. A investigação foi realizada pelo aluno de doutoramento Carlos Guimarães, orientado pelos professores Rui L. Reis (UMinho) e Utkan Demirci (Universidade de Stanford).
Todo o trabalho foi realizado no âmbito da bolsa avançada do Conselho Europeu de Investigação de Rui L. Reis, para o projecto ComplexiTE. A manipulação e criação de estruturas baseadas em hidrogéis é estudada há vários anos no Grupo 3B’s do I3Bs – Instituto de Investigação em Biomateriais, Biodegradáveis e Biomiméticos da UMinho, baseado no AvePark, em Guimarães.
NOVA CLASSE DE FIBRAS
A sociedade conhece a fibra óptica por ser capaz de transmitir informações a grande velocidade na Internet. Mas esse sinal de luz propagado num tubo de vidro comprido e mais fino do que um cabelo permite também a detecção biológica, como guiar a luz numa amostra e (des)activar células cerebrais com feixes de luz para tratar distúrbios.
Porém, o vidro não é genericamente biocompatível e não é biodegradável. Os cientistas criaram neste estudo fibras ópticas únicas e originais baseadas em hidrogéis, compostas sobretudo por água e que permitem à luz comunicar dentro do corpo, ao integrar tecidos, estimular células e detectar fenómenos biológicos.
Os cientistas desenvolveram e patentearam uma nova classe de fibras ópticas à base de açúcares naturais. Estas estruturas de hidrogéis flexíveis permitem c deformações mecânicas ou a presença de biomoléculas e vírus tais como o SARS-CoV-2, usando luz, mas também transportar entidades vivas como células humanas. Além disso, explorando a interacção entre sinais ópticos e tumores, permite-se digitalizar, por exemplo, o crescimento de um mini-cancro no interior da fibra, facilitando o teste de fármacos anti-tumorais de forma quantitativa e extremamente rápida.
Esta tecnologia é facilmente adaptável e pode integrar células de pacientes específicos para testar terapias, o que é um avanço importante no contexto de medicina regenerativa e de precisão.
A equipa luso-americana quer, agora, aplicar a inovação na caracterização do microambiente de cada tumor, o qual é decisivo na metástase. Pensa, ainda, mimetizar este tipo de fibras em órgãos e tecidos, como o sistema neuronal, as fibras musculares e o trato intestinal, entre outros.
DETECTAR VÍRUS E TUMORES
Ao contrário do vidro, extremamente denso, os açúcares que foram usados neste estudo (goma gelana e alginato, materiais tipicamente usados pelo grupo 3B’s) formam uma rede 3D menos densa e permissível, por exemplo, a diversos vírus como o SARS-CoV-2, que são, assim, detectados ao usar nanopartículas que os liguem e causem uma alteração na resposta óptica, podendo ser facilmente acopladas a uma zaragatoa médica. A estrutura dos hidrogéis permite, por outro lado, integrar células vivas nestas fibras, refere Carlos Guimarães.
Os investigadores demonstraram, na mesma zona central da fibra óptica, que é possível criar fibras onde células de cancro gradualmente progridem até surgir um mini-tumor, o qual cresce e responde a terapias tal como um cancro vivo. Utilizando a interacção com a luz, o complexo processo de crescimento tumoral foi detectado e quantificado pelo sinal óptico de forma quase imediata, como se se tratasse de abrir uma nova página web no computador.
Ou seja, pode assim acompanhar-se o crescimento do modelo de cancro usando luz e descobrir-se a quantidade ideal de determinado fármaco para inibir o seu crescimento, explica o cientista Rui L. Reis, director do Grupo 3B’s da UMinho.
À medida que a luz viaja pela fibra, mudam as características, a densidade das células, a proliferação e a presença de biomarcadores de interesse, entre outros aspectos. Esta interacção luz-células ajuda depois a digitalizar eventos biológicos complexos, como a proliferação de células tumorais num ambiente 3D e a sua susceptibilidade a fármacos, convertendo-os em números e dados, em poucos segundos. Este desenvolvimento, agora patenteado, nunca tinha sido reportado na literatura científica. Este tipo de estruturas pode ser fabricado de forma rápida e simples. Isto é, as fibras podem ser produzidas com células extraídas de pacientes específicos, gerando um instrumento de teste de terapias e a rápida descoberta do melhor fármaco a usar para tratar cada paciente de forma personalizada.
A investigação em bioengenharia depende, cada vez mais, de grandes conjuntos de dados, logo é urgente encontrar formas de digitalizar processos biológicos.
Os desafios passam também por criar ferramentas universais e originais que sejam capazes de gerar informação relevante, mantendo a necessária simplicidade. Este tipo de plataforma única expandirá o acesso à bioengenharia e a modelos 3D de tecidos vivos, saudáveis ou doentes, e a sua rápida análise por cientistas em todo o Mundo.