O Papa Francisco alertou, esta quinta-feira, para a pobreza, as alterações climáticas e as migrações, destacou a importância do “contributo feminino” e referiu-se ao conflito na Ucrânia como a “terceira guerra mundial aos pedaços”, num discurso dirigido aos jovens na Universidade Católica, em Lisboa.
“Não esqueçais que temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres, necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados, o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade, necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto”, disse.
Num “momento histórico” em que os “desafios são enormes e os gemidos dolorosos”, Francisco mencionou a “terceira guerra mundial aos pedaços”, referindo-se à guerra na Ucrânia.
“Abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espectáculo. Por isso sede protagonistas de uma ‘nova coreografia’ que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida”, apelou.
O papa explicou que a “autopreservação é uma tentação, um reflexo condicionado pelo medo, que nos faz olhar para a existência de forma distorcida”. “Se as sementes se preservassem a si mesmas, desperdiçariam completamente a sua força geradora e condenar-nos-iam à fome; se os Invernos se preservassem a si mesmos, não existiria a maravilha da Primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: não administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!”
Respondendo ao anúncio feito minutos antes pela reitora da Universidade Católica Portuguesa sobre a nova cátedra da Universidade Católica dedicada à ‘Economia de Francisco e Clara’, o papa considerou “indispensável o contributo feminino”.
“Vê-se, na Bíblia, como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher. É ela a verdadeira ‘governante’ da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. Abordar os estudos económicos com esta perspectiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação”, afirmou.
O líder da Igreja Católica destacou também a iniciativa Pacto Educativo Global.
A “esperança” nos testemunhos dos jovens
Antes deste de Francisco, quatro jovens estudantes da Universidade Católica, entre os quais uma refugiada iraniana de 25 anos, deram os seus testemunhos. “Em todos havia um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, sem queixumes nem escapadelas idealistas.”
“Este idoso que vos fala sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança. Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum”, disse.
“No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política. Não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos”, referiu Francisco, deixando um pedido especial aos jovens: “Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais.”
O chefe da Igreja Católica apelou a que se “desconfie das fórmulas pré-fabricadas”, “das respostas que nos parecem ao alcance da mão, extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar” e das “propostas que parecem dar tudo sem pedir nada”.
“Vemos numa parábola de Jesus que só encontra a pérola de grande valor quem a procura com sabedoria e iniciativa, quem dá tudo e arrisca tudo o que tem para a possuir. Procurar e arriscar: eis os verbos dos peregrinos”, frisou.
Papa recorda Pessoa e Sophia de Mello Breyner
Voltando a citar Fernando Pessoa, que na obra ‘Mensagem’ escreveu que “ser descontente é ser homem”, o papa referiu que “não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta”.
“Neste sentido e dentro de uma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da auto-suficiência e o narcisismo. O ser incompleto caracteriza a nossa condição de indagadores e peregrinos, pois, como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo. Somos chamados a algo mais, a uma descolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Não estamos doentes, mas simplesmente vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam”, defendeu.
Depois de Pessoa, Francisco recorda novamente Sophia de Mello Breyner Andresen e questiona os jovens: “Que quereis ver realizado em Portugal e no mundo? Quais mudanças, quais transformações? E como pode a universidade, especialmente a Católica, contribuir para isso?”
A importância do conhecimento e da Universidade
De acordo com Francisco, “seria um desperdício” pensar a Universidade para “perpetuar o actual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos”.
“Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio -, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido”, vincou.
Para o líder da Igreja Católica, um curso superior deve ser “como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa e inclusiva”, ou seja, mais avançada.
Papa pede aos jovens para irem “mais longe e mais alto”
O chefe da Igreja Católica “meditou” ainda sobre o significado de ser peregrino.
“Literalmente, significa deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido. Na imagem do «peregrino», espelha-se a condição humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se de um processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência”, assinalou.
No final do discurso, o papa mostrou-se “feliz” por ver uma “comunidade educativa viva, aberta à realidade, com o Evangelho que não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo”.
“Sei que o vosso percurso engloba diversos âmbitos: estudo, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, cuidado da casa comum, expressões artísticas. Ser uma universidade católica significa antes de mais nada que cada elemento está em relação com o todo e o todo revê-se nas partes. Assim, ao mesmo tempo que se adquirem competências científicas, vai-se amadurecendo como pessoa, no conhecimento de si mesmo e no discernimento do próprio caminho. Então avante! Uma tradição medieval conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando ‘Ultreia’ ao que este respondia ‘et Suseia’. Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: “Vai mais longe e mais alto!” “Coragem, força, anda para diante!” Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração”, concluiu.
Com TSF
Foto Vatican News