Durante o Estado Novo, a censura na legendagem de filmes centrava-se sobretudo em temas relacionados com a sexualidade e a desobediência, conclui uma tese de doutoramento da investigadora Katrin Pieper.
Katrin Pieper, com experiência na área da tradução, analisou 13 filmes alvo de censura durante o Estado Novo, abrangendo obras ao longo de toda a ditadura e de diferentes géneros, e procurou perceber como é que as legendas de filmes eram censuradas e quais os temas que eram objecto de maior ou menor manipulação e cortes.
Na análise, a investigadora identificou censura sobretudo na categoria de desobediência e poder, e também sexualidade.
Questões como ofensas à Igreja, questões políticas, crime ou papéis de género também foram alvo de manipulação e cortes nos filmes analisados.
Segundo Katrin Pieper, era mais comum a proposta de cortes do que a sugestão de reformulação de palavras usadas na legendagem.
Por vezes, eram suprimidas as legendas, mas a cena visual mantinha-se. Outras vezes, uma cena inteira poderia ser cortada, alterando por completo a própria narrativa do filme.
Das obras analisadas, há um filme que se destaca por ter sido o mais censurado, ‘This Land is Mine’, de Jean Renoir, que conta a história de um professor algures na Europa ocupada pelos nazis, que acaba a defender a resistência.
Num julgamento, acaba absolvido, volta à sua escola e fala aos alunos de direitos humanos, antes de ser capturado por soldados alemães que o matam.
Na versão censurada em Portugal, o filme acaba com a libertação após o julgamento, tornando o filme “completamente diferente”, notou.
Já em ‘Sleeper’, de Woody Allen, que foi alvo de processo censório antes do 25 de Abril, mas exibido já depois da revolução, a censura encontra-se, sobretudo, na manipulação das legendas, com um total de 40 manipulações.
“Eu quero ter sexo contigo” passou a “quero brincar contigo”, “fazer amor” transformou-se em “pequena aventura”, numa censura que procurava cortar não apenas cenas sexuais como qualquer forma de intimidade.
De acordo com a investigadora, a censura e autocensura estavam presentes em vários momentos do processo até à exibição do filme, começando pela própria escolha que as distribuidoras faziam dos filmes.
“Essa é a primeira fase de censura ou de autocensura, porque obviamente não iam importar filmes que sabiam perfeitamente que não iam passar”, disse.
Posteriormente, o filme era entregue ao Secretariado Nacional de Informação (SNI), acompanhado de legendas em papel, com cada linha de texto a ser numerada.
“O filme era visto por um par de censores, que tomava uma decisão – proibir, aprovar com cortes ou aprovar sem cortes. Se os dois censores não chegassem a um consenso, outro par iria ver o filme, até haver uma decisão consensual”, afirmou.
Houve filmes que acabavam bloqueados logo numa espécie de processo prévio e outros que eram ressubmetidos anos mais tarde, na esperança de poderem passar.
Segundo Katrin Pieper, esta é uma das primeiras investigações exaustivas sobre a manipulação ideológica das legendas em Portugal, durante o Estado Novo.
Com SIC