‘Les Portugais’ é o título de um álbum de banda desenhada publicado no início deste ano em França que conta a odisseia dos portugueses nos anos 70 em França, numa obra que o autor do argumento, Olivier Afonso, espera “abrir o debate” sobre a emigração lusa por terras francesas.
Olivier Afonso é filho de um emigrante português natural da freguesia de Portela, Monção, e o desenho, dinâmico e realista (com cores sombrias) de Chico (pseudónimo de Aurélien Ottenwaeller). A história narra a odisseia de um dos muitos emigrantes portugueses (Nel) em França, desde a partida a salto no início da década de 70 até à sua chegada a Paris.
Retrata as agruras da viagem, a exploração, os maus-tratos, a vida nos ‘biddonvilles’, o ‘chantier’ nos arredores de Paris, a alegria do 25 de Abril até à conquista da estabilidade possível já em plena cidade-luz, com o nascimento de um filho a prenunciar um futuro melhor, mas sem esquecer as raízes. Justifica-se plenamente uma edição portuguesa.
Olivier Afonso nasceu nos anos 1970 em França, filho de emigrantes portugueses vindos de Monção e Felgueiras, e cresceu nos arredores de Paris tendo desde muito cedo apetência para as artes. É artista plástico e há mais de 20 anos que realiza maquilhagem e efeitos especiais para cinema, tendo participado na concepção de alguns dos filmes de maior sucesso em França nos últimos anos, tendo realizado o filme ‘Girls with Balls’.
No entanto, uma história foi ficando sempre contar, a da chegada dos seus pais. Desde 2000 que Olivier Afonso afinou o que pensava que viria a ser um argumento para um filme sobre as suas origens, mas ao ter encontrado o ilustrador Aurélien Ottenwaelter, a ideia de uma banda desenhada, um género de culto em França, pareceu-lhe evidente.
DISCRIMINAÇÃO
Através da história escrita por Olivier Afonso, de fotografias da época e investigação sobre o momento histórico da vinda de muitos portugueses até França nos anos 70, nasceu o álbum de banda desenhada ‘Les Portugais’, editado pela editora Les Arènes, e à venda em várias livrarias um pouco por todo o território gaulês.
O livro conta a história de dois portugueses, Mário e Nel, desde o momento em que são deixados pelo passador em França e as peripécias para chegar a Paris, onde são confrontados com a realidade dos bairros de lata e a discriminação, mas sem se deixarem abater e sempre com esperança de uma vida melhor. Inspirado na história do seu pai, que também se chama Mário, Olivier Afonso traçou a trajectória de muitos portugueses em França, mesmo se alguns episódios são difíceis de contar.
“Eu quis ser honesto com o que escrevi. A uma altura o meu pai contou-me que antes de começar a trabalhar nas obras, quando chegou a França, um homem verificou os músculos dele, os dentes. Como se fosse um animal ou um escravo. Perguntaram-me se queria mesmo incluir isso no livro e eu disse que sim, claro! É a verdade”, diz Olivier Afonso.”
“Eu cresci entre uma cultura que eu aprendia na escola, a cultura francesa, e uma cultura que me era transmitida pelos meus pais. […] Apercebi-me, ao crescer, que os portugueses eram uma comunidade muito gozada em França. Eu sempre fui grande, portanto nunca me chatearam muito, mas soube recentemente que a minha irmã sofreu muito com isso, assim como amigas que preferiam dizer que eram italianas do que portuguesas”, confessa, falando dos constantes estereótipos que associam portugueses às limpezas ou trabalhadores da construção civil.
Hoje, Olivier Afonso diz que há uma evolução desta imagem m França, que este tipo de referências são “moderadas” e que, enfim, os franceses descobrem um povo e um país “magnífico”.
Com uma primeira edição de 6.000 livros, o próximo passo para o livro ‘Les Portugais’ é uma tradução em português, de forma a contar também em Portugal a história dos emigrantes em França.
Com MAG