É sabido que ameaças de morte, ajustes de contas, escutas telefónicas, queixas ao Ministério Público e à Polícia provocaram um verdadeiro clima de guerra entre os diversos sectores do Chega. Agora ficou-se a conhecer que as recentes eleições para a Distrital de Braga provocaram uma ruptura aparentemente definitiva entre diferentes facções do sector religioso do partido de André Ventura.
Dúvidas houvesse, elas ficaram desfeitas na última edição da revista Visão. A investigação ‘O Estado Oculto do Chega’, da autoria do jornalista Miguel Carvalho, revela mais detalhes sobre o conflito que marcou as eleições de 5 de Dezembro para a Distrital, no Centro de Juventude de Braga. Documentos a que o PressMinho teve acesso mostram também até que ponto chegou a confrontação entre o candidato Ruben Milhão, pastor da Igreja Missionária Evangélica de Braga, e o seu adversário, Filipe Melo, que se apresenta como “católico, apostólico e romano”.
A até então a (ilusória) união da hoste religiosa no seio do partido do deputado André Ventura, que incluía pastores evangélicos das igrejas Maná e Universal do Reino de Deus (IURD) e outras, ruiu entre lavagens de roupa suja em público e nas redes sociais, “inverdades” ou perseguições através de telefonemas e sms.
Filipe Melo ficou com a presidência da Distrital da Cidade dos Arcebispos depois da desistência de Ruben Milhão. O pastor da Igreja Missionária Evangélica de Braga, que se apresenta como “igreja independente” e filiada na Aliança Evangélica Portuguesa (embora não conste qualquer igreja com aquela designação nesta entidade), abandona a corrida eleitoral em protesto contra o tratamento dado pelo opositor à presidente da mesa da assembleia distrital e também candidata, Cibelli Pinheiro de Almeida.
UMA BRASILEIRA? NUNCA!
Depois de insistência de alguns militantes, Milhão levantou um pouco o véu sobre o confronto com Melo.
A “ausência de democracia durante o processo eleitoral totalmente à margem de um país livre e democrático” e os “comportamentos e posições públicas desalinhadas com a índole do Partido e do seu presidente Dr. André Ventura” foram duas razões apontadas aos cheganos.
O PressMinho sabe que o candidato desistente só dá “informações mais detalhadas” a militantes “exclusivamente” através de um e-mail que indica.
O conflito, no entanto, tornou-se público dias antes e pela mão do próprio Filipe Melo.
“Não vai ser uma brasileira que vai mandar nos destinos de um Partido nacionalista, patriótico. Nunca, não permitirei”, ameaçara Melo no Facebook, referindo-se a Cibelli Pinheiro. Pouco depois, e provavelmente alertado para o tratamento xenófobo dado à dirigente, Melo reeditou o post, trocando “brasileira” por “senhora”. A dirigente abandonou as eleições e demitiu-se do partido de Ventura, a quem, diz Cibelli, apresentou a devida justificação para esta atitude radical.
Antes, em num outro documento a que o PressMinho teve acesso, Filipe Melo acusara a candidatura do pastor de “ataques constantes” consubstanciados “em ameaças”, e “divulgação de inverdades” nas redes sociais, além de “perseguição através de telefonemas e sms”.
Garantindo “não pactuar e participar em guerras” ameaçava ele também apresentar “queixa-crime” no Ministério Público (MP), uma “decisão irreversível”. Ao que o PressMinho sabe, não deu entrada no MP qualquer queixa contra Ruben Milhão ou outro membro e apoiante da lista.
A investigação da Visão revela que do outro lado desta contenda estavam ainda responsáveis da Associação Família Conservadora onde figuram evangélicos e ultracatólicos da cruzada contra “a ideologia de género” e “marxismo cultural”. Entre eles o assessor na Assembleia da República de Ventura, Manuel Matias, e Maria Helena Costa, ex-militante do PNR-Partido Nacional Renovador, partido nacionalista de extrema-direita (hoje designado Ergue-te), onde militava João Martins, condenado a 17 anos de prisão pelo homicídio do cabo-verdiano Alcino Monteiro e defensor do “fascismo do terceiro milénio”.
“DEUS NO COMANDO”
Quatro dias antes das eleições da Distrital bracarense, Ventura era um homem confiante nos militantes com Fé. Garantia aceitar votos de “salazaristas, marcelistas, ex-comunistas, neoliberais, fascistas, católicos, consagrados, evangélicos, religiosos de todas as confissões”.
Com a guerra civil em Braga, já não é certo que o líder da extrema-direita consiga assegurar os apoios das igrejas e das seitas, e respectivos financiamentos, para voos mais altos que na Convenção de Évora, em Setembro, pareciam garantidos.
Na altura, o partido aparentava ter conseguido o equilíbrio das facções religiosas com a integração na direcção de representantes dos evangélicos e do movimento Comunhão e Libertação (CL), que a socióloga Alberta Giorgi, do Observatório de Religião na Esfera Pública, define à revista Visão como politicamente mais poderoso e mais activo na comunidade do que a Opus Dei.
“Quero todas as igrejas cristãs com o Chega. Todas sem medo nem preconceito”, escrevia Ventura a 10 de Agosto no Twitter. “Todos os outros partidos já demonstraram que se envergonham da nossa história e da Fé do nosso povo. Nós não! Eu não! Deus no Comando!”, proclamava no mesmo tweet.
Com a cisão no sector religioso, a tarefa de André Ventura parece mais difícil mesmo com “Deus no Comando!”. Provavelmente só resta ao também candidato da extrema-direita à Presidenciais ter fé.
Fernando Gualtieri (CP 7889 A)