Portugal tem um total estimado de 12.800 ‘escravos modernos’ numa população de quase 10,4 milhões de habitantes, segundo o relatório da fundação australiana Walk Free divulgado esta terça-feira.
Intitulado Índice de Escravatura Global 2016, o relatório analisa 167 países do mundo, entre eles oito dos nove lusófonos – S. Tomé e Príncipe não foi reportado.
Segundo o relatório da Walk Free, uma fundação criada em 2012 pelo casal filantropo australiano Andrew e Nicola Forrest, e pela filha de ambos, Grace, a percentagem estimada de escravos modernos em Portugal é de 0,123%.
De acordo com o mesmo relatório, Portugal situa-se na 49.ª posição, o que equivale à 147.ª posição, já que há muitos países a ocuparem a mesma posição ao longo da tabela.
Quanto à cotação atribuída a cada país, para que obtenham cotação “BBB” (a quarta melhor), que foi a conseguida por Portugal, é necessário que, entre outros critérios, os governos tenham encetado respostas à escravatura moderna com programas de apoio às vítimas e uma resposta forte ao nível da justiça criminal.
Em declarações à agência Lusa, a australiana Fiona David, directora executiva do Departamento de Investigação Global da Fundação Walk Free, que liderou os trabalhos nos 167 países analisados no Índice, disse que esteve em Portugal no início deste ano e que uma das “coisas boas” que viu “foi a grande importância e a seriedade dada pelo Governo português à questão”.
“Atribuímos a Portugal o rating de 65 pontos (65,22) nos esforços para combater o trabalho forçado, o que demonstra que tem havido muitas pessoas envolvidas e muito trabalho feito”, referiu, acrescentando que “há ainda muito a fazer em Portugal, tal como, de resto, em todo o mundo”.
Portugal tem cerca de 12.800 pessoas a trabalhar sob qualquer forma de escravatura e, por isso, “é importante que o Governo se mantenha empenhado”, frisou Fiona David, que também é advogada e criminologista.
Noutra tabela, a fundação australiana calcula também o risco de vulnerabilidade à “escravatura moderna”, baseada em quatro critérios – “proteções política e civil”, “direitos sociais, de saúde e económicos”, “segurança pessoal” e “refugiados e conflitos” – todos de zero (a melhor possível) a 100 (a pior) pontos.
Neste quadro, Portugal é o melhor classificado entre os lusófonos, com uma média pontual dos quatro critérios de 19,27 pontos, seguido pelo Brasil (33,77 pontos), Guiné Equatorial (31,16), Cabo Verde (36,34), Timor-Leste (39,13), Angola (44,21), Moçambique (44,65) e Guiné-Bissau (48,82), numa lista liderada pela Dinamarca (17,30 pontos) e fechada pela RD Congo (70,00).
Fiona David trabalhou como conselheira em vários governos e organizações das Nações Unidas para o desenvolvimento de estratégias de resposta consistentes à escravatura moderna nas regiões da Ásia/Pacífico e de África.
Brasil e Portugal com menor percentagem
Brasil e Portugal são, entre os nove países lusófonos, os Estados com menor percentagem estimada de “escravos modernos”, com uma estimativa de 0,078% (161.100 pessoas) e 0,123% (12.800) da população, indica o mesmo relatório.
Do lado oposto, Angola surge na tabela com a maior percentagem estimada de “escravos modernos”, com 0,638% da população (159.700 pessoas).
Portugal e Brasil trocam de posições no ranking lusófono no que diz respeito aos países que mais têm feito para combater o fenómeno, que afeta 45,8 milhões de pessoas em todo o mundo.
Neste item, Portugal está na lista de 10 países com a segunda melhor cotação, “BBB” – só a Holanda tem a cotação máxima “A” -, com o Brasil a ser cotado com “BB”, seguido por Moçambique (“B”), todos muito à frente dos restantes Estados lusófonos – Angola e Guiné-Bissau (ambos com “CC), Cabo Verde (“C”) e a Guiné Equatorial (“D” – igual aos piores da lista, como Eritreia, Irão e Coreia do Norte.
Para as calcular, a Fundação Walk Free baseou-se em cinco critérios da acção governamental – “apoio a sobreviventes”, “justiça criminal”, “coordenação e responsabilidade”, “risco de escravatura moderna” e “Governo e negócios”.
Angola lidera
No Índice, entre os lusófonos, e depois de Angola, que ocupa a pior classificação em termos percentuais (43.º lugar), segue-se a Guiné-Bissau (46.º, com uma estimativa de 11.400 “escravos modernos”, o que representa 0,620% da população), Moçambique (66.º – 145.600 – 0,520%) e Cabo Verde (85.º – 2.400 – 0,453%).
A Guiné Equatorial surge depois na 127.ª posição (2.500 “escravos modernos” estimados, o que representa 0,295% da população), Timor-Leste (130.ª – 3.500 – 0,286%), Portugal (147.ª – 12.800 – 0,123%) e finalmente Brasil (151.ª – 161.100 – 0,078%).
No número absoluto de pessoas consideradas como integrantes da “escravatura moderna”, a Índia (18,3 milhões de indivíduos estimados), China (3,4 milhões) Paquistão (2,1 milhões) Bangladesh (1,5 milhões), Uzbequistão (1,2 milhões), Coreia do Norte (1,1 milhões) e Rússia (1,04 milhões) são os sete países acima do milhão de “escravos”, embora tal resulte do facto de serem dos países mais populosos do mundo.
No lado oposto, Luxemburgo (100 pessoas), Islândia (400), Barbados (600), Nova Zelândia (800), Irlanda (800) e Noruega (900) são os países com menor estimativa de casos de escravatura moderna.
Mais de 45 milhões de pessoas sujeitas a escravatura
Pelo menos 45,8 milhões de pessoas estão sujeitas a uma qualquer forma de escravatura em todo o mundo.
O total de casos estimados aumentou significativamente desde 2012, quando as projeções indicavam que existiam cerca de 35 milhões e pessoas sujeitas à escravatura.
No resumo, que não avança os números de cada país, é indicado que a Coreia do Norte, Uzbequistão, Camboja e Índia são os Estados com maior índice de prevalência de “escravatura moderna”, em cujo “top 11” se incluem também a China, Paquistão, Bangladesh, Rússia, Nigéria, República Democrática do Congo (RDCongo) e Indonésia.
“Muitos destes países produzem com o mais baixo custo bens de consumo para abastecer os mercados da Europa Ocidental, Japão, América do Norte e Austrália”, lê-se no documento, que salienta, porém, que vários países ocidentais já começaram a legislar para combater o abuso em indústrias chave, entre eles Portugal.
Além do Reino Unido, pioneiro na legislação de combate à “escravatura moderna”, e de Portugal, estão também na primeira linha a Holanda, Estados Unidos, Suécia, Austrália, Croácia, Espanha, Bélgica e Noruega.
A nova legislação, que criou critérios mais precisos na definição e nas políticas de combate a quaisquer formas de escravatura moderna, obriga os governos a identificar os sobreviventes e criar mecanismos de justiça criminal e de coordenação.
Obriga também a aplicar medidas para viabilizar a melhoria de comportamentos e dos sistemas e instituições sociais, bem como garantias de que as grandes empresas e governos evitem comprar mercadorias de países que contam com qualquer forma de escravatura moderna.
Do lado oposto, segundo o índice, os países que menos fazem para alterar a lei estão a Coreia do Norte, Irão, Eritreia, Guiné Equatorial, Hong Kong, República Centro-Africana, Papua Nova Guiné, Guiné-Conacri, RDCongo e Sudão do Sul.
No extremo oposto, o índice realça que países como Brasil, Filipinas, Geórgia, Jamaica e Albânia estão a efetuar “grandes esforços” para combater o fenómeno, apesar de terem recursos relativamente menores dos que os países ricos.
FG (CP 1200) com TVI