O acordo de cooperação militar entre a Rússia e São Tomé e Príncipe – assim como o convite dirigido nesse sentido à Guiné-Bissau – apanhou o Governo português “de surpresa”, mas não promete nada de positivo para Portugal.
De acordo com o tenente-general Marco Serronha, em declarações à ‘CNN Portugal’, é uma “situação preocupante”, lembrando o que aconteceu com as ex-colónias francesas, quando “a Rússia começou a fazer acordos de cooperação no domínio da defesa e da segurança”.
“Há aqui uma comparação relativamente àquilo que tem sucedido na África francófona”, refere o especialista militar em assuntos do continente africano, lembrando o ‘modus operandi’ do grupo Wagner.
“França foi sucessivamente hostilizada e corrida – com embaixadores franceses a serem inclusivamente expulsos – e criou-se uma relação de tensão entre os países da África francófona e França”, observa o especialista, indicando que aconteceu “na República Centro-Africana, no Mali, no Burkina Faso, no Níger” – Paris, lembra, mantém actualmente relações com “dois ou três países da África francófona”.
“É esse receio que pode estar em cima da mesa” agora em Portugal, de acordo com Marco Serronha: “É de que por detrás da intenção russa do acordo de defesa nas ex-colónias portuguesas esteja um ataque a Portugal como ex-potência colonial, como país da NATO.”
“França também não sabia destes acordos, foi confrontada com eles e logo com operações de contra-informação e de desinformação” contra Paris, refere. “Pura e simplesmente teve de sair desses países todos.”
“Podemos começar a perceber, já dentro de pouco tempo, que aparecem nos jornais da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe coisas contra Portugal, a dizer que Portugal é um país colonialista, que é preciso expulsá-los [aos portugueses e empresas portuguesas], começam a ser organizadas manifestações em frente às embaixadas de Portugal”, enumera.
Se Putin “meter na cabeça que o próximo alvo é Portugal e as ex-colónias portuguesas, vamos começar a assistir a isto”, indica o especialista.
DESINVESTIMENTO PORTUGUÊS NA CPLP
Já Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais e Diplomacia, salienta que “Portugal está a ser vítima de si próprio”, dado o “desinvestimento” do Governo português nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“A Rússia é muito pragmática”, indica o especialista: estes acordos de cooperação militar e de defesa firmados com os países africanos assumem várias parcerias que interessam sobretudo às regiões que se confrontam permanentemente com a eclosão de conflitos.
“Obviamente que a Rússia está a tentar ganhar parceiros novos [em África], só este ano já ganhou vários parceiros em solo africano – o Senegal, o Mali, o Burkina Faso, o Chade, a República Centro-Africana”, enumera.
“Se a Guiné-Bissau assinar o acordo, fica aberta a porta para, eventualmente, ser a próxima aposta da Rússia”, refere Tiago André Lopes, sublinhando que a Wagner pode “ajudar líderes autoritários a impor na Guiné-Bissau uma ordem de valores que não é uma ordem democrática nem uma ordem legal”. “E isso Portugal não consegue fazer.”
Pode-se seguir Moçambique, que tem a questão da insurgência islâmica no Sahel africano e “uma necessidade securitária premente que não está resolvida, sobretudo a norte”, justifica Tiago André Lopes, lembrando que há forças russas a combater activamente em Moçambique. “Por isso é que eu acho que é um alvo fácil para estas ofensivas russas.”
O mesmo já não deverá acontecer em Angola, que “tem sido muito pró-Washington”. “Angola vai resistir um pouco mais a esta ofensiva de charme que a Rússia e o Irão – que também está mais activo nessa região – estão a tentar fazer”, conclui o especialista.
Com Executive Digest