A psicóloga Tânia Gaspar alertou este sábado que a sociedade está a regredir no respeito pelas mulheres, contando que pediatras sentem que as raparigas estão a ser mais manipuladas e criticadas pelos rapazes, devido à sua aparência, sem saberem defender-se.
“A nossa sociedade está a virar outra vez. Tenho várias pessoas, pediatras, que me dizem que estão a voltar a sentir que as raparigas estão outra vez a ser mais manipuladas, criticadas e humilhadas, para estarem controladas face à sua aparência”, alertou a responsável, que pede uma maior aposta no empoderamento da mulher.
Tânia Gaspar, psicóloga que trabalha sobretudo na área da adolescência, afirma: “No fundo é aquela ideia de que as mulheres são para dominar. Aquela questão máscula do poder sobre elas.”
A investigadora falava à Lusa a propósito da série de sucesso ‘Adolescência’, da Netflix, que aborda os perigos da propagação de discursos misóginos, discriminatórios e violentos, com o foco na ideologia ‘incel’ (celibatários involuntários) promovida nas redes sociais e em fóruns fechados. A minissérie britânica de quatro episódios teve, após duas semanas desde a estreia, 42 milhões de visualizações, estando no número um do top 10 em 80 países, incluindo Portugal.
Um dos ‘ícones’ da ideologia ‘incel’ citado na série — Andrew Tate — promove o machismo e a misoginia e faz parte de uma comunidade que culpa as mulheres pelos seus problemas de relacionamento.
Estes grupos integram também ideias racistas e de objetificação e violência para com as mulheres e, em casos extremos, a apologia do terrorismo e de homicídios em massa.
Como exemplo desta mudança na sociedade, conta que “quando vão a um ginásio, as adolescentes de 15 e 16 anos são assediadas”. “Há miúdas que deixam de ir, ou vão nas horas menos procuradas, pois não se sentem confortáveis porque os homens tiram fotografias e filmam-nas”, descreveu.
Explica que as raparigas acabam por não se queixar por receio de “ainda serem elas a ficar mal”. “Na verdade, às vezes têm razão”.
“Há casos de miúdas abusadas por primos ou vizinhos, e, na grande parte das vezes, ou elas não dizem à família, ou quando dizem eles não acreditam. Ou então dizem: Olha, isso vai trazer muita confusão”, acrescentou.
REGRESSÃO
A investigadora lamenta que a sociedade esteja a regredir e sublinha que “nada disto está relacionado com o estatuto socioeconómico”.
Num estudo divulgado no ano passado, a Organização Mundial da Saúde alertou para os impactos devastadores que a violência entre parceiros pode ter “na saúde, no desempenho educativo, nas relações futuras e nas perspetivas de vida dos jovens”.
Os dados divulgados na altura indicavam que uma em cada quatro raparigas adolescentes que estiveram numa relação sofreu violência física ou sexual por parte do parceiro.
A OMS realça ainda a “necessidade urgente” de reforçar os mecanismos de apoio e as medidas de prevenção precoce adaptadas aos adolescentes, juntamente com ações para promover os direitos das mulheres e das raparigas, como programas escolares que educam rapazes e raparigas sobre as relações saudáveis e a prevenção da violência.