Gerir orçamentos municipais é coisa a que os autarcas estão habituados. O que agora não esperavam era serem obrigados a pegar em papel e lápis para refazer as contas baralhadas por factores inesperados – a escassez de matérias-primas provocadas pela pandemia da Covid-19 e pelo agravamento «brutal» do preço da energia determinado pela guerra na Ucrânia.
As próprias empresas que, confrontadas com o aumento geral dos custos de madeiras, dos metais, dos materiais para isolamento e de revestimento, apresentam dificuldades em terminar as empreitadas ou a pedir revisões de preços. Em muitos concelhos as obras públicas pararam ou foram adiadas para melhores dias, enquanto concursos ficaram desertos.
Manuel Moreira e Manuel Tibo, respectivamente presidentes das Câmara Municipais de Amares e Terras de Bouro, não escapam a esta escalada dos preços das matérias primas que pressiona as finanças autárquicas, estrangulando as câmaras.
Amares e Terras de Bouro não são excepção. Em Amares, o concurso para a requalificação das Piscinas Cobertas já fechou. Ninguém quis ficar com a obra, diz Manuel Moreira. «O concurso para a intervenção no Centro Educativo do Mosteiro de Bouro ainda decorre, mas ainda não apareceram interessados», conta o autarca amarense, que já não acredita que apareça «quem deite mão à empreitada».
Em Terras de Bouro ficam para melhores dias – ou melhores orçamentos – as intervenções no antigo bairro da EDP e na Ecovia do Homem.
«Estas situações criam alguma ansiedade ao colocar-nos na posição de dependentes de terceiros», desabafa Tibo, que gere um orçamento, incluídos os fundos comunitários, que ronda os 17 milhões de euros.
Com um mal nunca vem só, a escalada do preço da energia vem agravar a já o difícil momento que o Poder Local atravessa.
Manuel Moreira não quer reduzir o período de iluminação pública, nas «não descarto a possibilidade».
Manuel Tibo está mais confiante. «Não está na nossa perspectiva cortar a iluminação pública porque poderia levantar um problema de insegurança nas populações das freguesias e de lugares mais isoladas, para quem a iluminação pública é um grande factor de segurança».
O autarca bourense lembra que o investimento da EDP no LED no concelho permite «alguma redução de custos». Paralelamente, «o município está a fazer um estudo para ver onde podemos fazer poupanças».
Uma boa notícia seria a redução do IVA da electricidade. “Tudo o que pudermos poupar serve para criar melhores condições à população», diz.
E Moreira avisa: «não podemos suportar este aumento porque os orçamentos municipais no crescem e não nos deixam fazer o que queremos para apoiar as famílias mais necessitadas».
INSUSTENTÁVEL
Ambos os presidentes estão assim, «muito preocupados» com o «estrangulamento» e «asfixia» das autarquias.
Os dois autarcas do Vale do Homem, dizem que a cura para esta conjuntura seria o aumento das verbas à disposição dos municípios, mas isso não passaria de uma «fantasia que não acontecerá». Assim, resumem, «as autarquias têm que cortar onde podem, adiando os projectos que podem ser adiados, de forma a poder continuar a olhar as necessidades das pessoas e apoiar os que precisam de apoio».
«As Câmara não podem continuar nesta situação insustentável de aumentos diários da energia e das matérias primas», volta a frisar Moreira.
Já Manuel Tibo está na «expectativa do que vai acontecer».
«Teremos que aguardar o novo Orçamento de Estado e em possíveis cortes nas transferências [para as autarquias]», explica.
Manuel Moreira, que dispõe de cerca de 16,1 milhões de euros, diz que o seu orçamento «não aguenta estes aumentos».
O autarca acha que ainda há outra coisa que as autarquias «podem e devem» fazer: «tomar uma posição conjunta [contra os aumentos]».
Tempestade perfeita
Como se chegou a esta pressão inflacionista global, quer ao nível da energia quer ao nível das matérias primas de que Manuel Moreira e Manuel Tibo de queixam?
Os analistas explicam esta realidade com o forte aumento da procura mundial, após o grande período de paragem e de expectativa nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, mas também devido ao facto de muitas indústrias terem tido grandes perturbações na produção. As linhas de produção pararam ou diminuíram a sua capacidade produtiva, o petróleo subiu e, os preços das matérias-primas, tiveram incrementos, que no final de 2021, andou em alguns casos entre os 30% e os 50%.
Não surpreende deste modo que Luísa Salgueiro, Presidente da Associação Nacional de Municípios diga que os autarcas estão «muito preocupados» com o impacto da subida dos custos de energia, combustíveis e matérias-primas.
«As preocupações dos meus colegas autarcas são muito focadas nas questões de gestão financeira, em função dos impactos que estamos a sentir com o aumento dos custos de energia, combustíveis e matérias-primas, que se repercute no valor das empreitadas que estão em execução», alegava em finais de Março.
O impacto das próprias revisões de preços das empreitadas em curso, insistia Luísa Salgueiro, «é uma preocupação transversal a todos os autarcas».
E para a tempestade ser perfeita, esta crise acontece quando maioria dos países ainda está a lidar com as consequências da pandemia e a procurar implementar estratégias de recuperação sustentada.
Não há analista com certezas em relação ao dia de amanhã. A única certeza é que serão os trabalhadores quem vai suportar a maior parte do impacto da subida dos preços resultante dos constantes reajustes nos preços da gasolina e do gasóleo, em razão do aumento no preço do barril de petróleo no mercado internacional.
Certo é igualmente que a inflação atingia em finais de Março passado 5,3%, a maior desde 1994.
E a Bazuca?
À vista (e no bolso) de todos está o impacto da situação na Ucrânia no dia-a-dia. Mas qual o impacto que pode vir a ter na execução do próprio Plano de Resolução e Resiliência (PRR), a tão desejada bazuca pelo Poder Local?
Todos os sectores, autarquias incluídas, querem do Governo «medidas extraordinárias para uma situação extraordinária».
A solução preconizada pela ANMP é reafectar verbas, rever prioridades, possivelmente encontrar financiamentos que não estavam previstos, por exemplo, no que diz respeito à energia e aos combustíveis.
«Sabemos que o Governo está a ponderar isso, do ponto de vista fiscal, de soluções à medida», adianta Luísa Salgueiro, a também Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos. «No que diz respeito aos concursos promovidos e já celebrados, nomeadamente no âmbito do PRR, há um incremento do grau de incerteza da sua concretização, que resulta directamente destes riscos acrescidos que estamos a enfrentar e que impactam, de uma forma transversal, toda a actividade económica». Quem o diz é Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas.
A solução, defende, pode passar pela definição de «preços base realistas para os concursos», bem como pela utilização plena dos «mecanismos para reequilibrar os contratos, como a alteração anormal e imprevisível de circunstâncias, adequadas as fórmulas de revisão de preços dos contratos para reflectir de forma ajustada as variações dos custos efectivos».
Também a criação de «um fundo nacional que possibilite aos donos de obra pública fazer face a variações significativas de preços nas empreitadas, assegurando que as empresas são justamente ressarcidas», é uma alternativa em cima da mesa, aponta o responsável.
Fernando Gualtieri (CP 7889 A)