O presidente da Câmara de Braga negou esta quarta-feira que tenha sido constituído arguido no âmbito da Operação Éter, ao contrário do que aconteceu com os presidentes das autarquias de Vila Verde, António Vilela, e Amares, Manuel Moreira. As investigações da PJ sobre a instalação de Lojas Interactivas de Turismo (LIT) ainda não estão concluídas.
Em declarações ao PressMinho/O Vilaverdense, Ricardo Rio assegurou que na autarquia “ninguém” foi constituído arguido. “Eu nunca fui ouvido sequer”, disse, confirmando, no entanto, a realização de diligências da PJ nos departamentos de fundos comunitários e contratação pública.
“Os meus técnicos foram chamados logo no início [das investigações]”, referiu, esclarecendo que “o processo começou no executivo anterior”, liderado por Mesquita Machado.
As investigações da PJ chegaram a várias câmaras do distrito de Braga, nomeadamente a Esposende, Famalicão e Guimarães. Em nenhum destes municípios foram constituídos arguidos pelo Ministério Público.
VILA VERDE
Já o presidente da Câmara e a vereadora da Cultura de Vila Verde, António Vilela e Júlia Fernandes, respectivamente, foram constituídos arguidos por causa da instalação de uma loja interactiva de turismo no concelho.
Em declarações à Lusa, António Vilela garantiu que, quer ele, quer a vereadora, estão “de consciência completamente tranquila”, porque se tratou de um “processo o mais transparente possível”.
O autarca acrescentou que aquele espaço “pretendia ser uma resposta àquilo que era um conceito que estava definido em todo o território” abrangido pela Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), para uma “promoção global” e concertada, pelo que “as lojas são todas iguais”.
Em causa estará uma alegada “imposição”, por parte da TPNP, das empresas responsáveis pela instalação das lojas.
AMARES
Também à Lusa, Manuel Moreira, presidente da Câmara de Amares, disse que TPNP impôs as empresas para a instalação da loja interactiva de turismo do concelho.
Manuel Moreira acrescentou que aceitou a imposição por considerar que o importante era o concelho ter uma loja interactiva, que fica situada no Parque das Termas, em Caldelas.
“Não podia pôr a concurso nem escolher empresas. O Turismo do Porto e Norte impunha-nos as empresas. Ou era para essas ou não tínhamos loja interactiva. Eu o que queria era obra, estava aprovada a candidatura, a mim não me aqueceu nem arrefeceu”, referiu.
Apesar de ter sido ouvido pela PJ e constituído arguido, Manuel Moreira garante estar “perfeitamente tranquilo”, dizendo que foram os técnicos camarários que “trataram de tudo”. “Apenas assinei os despachos”, sublinhou.
VIEIRA DO MINHO
O vereador da Câmara de Vieira do Minho Afonso Barroso é outro dos arguidos da Operação Éter, confirmou o presidente do município.
António Cardoso acrescentou que o vereador e a câmara estão “perfeitamente tranquilos” em relação ao processo. “Foi tudo feito de acordo com as regras da contratação pública”, referiu à Lusa, sublinhando que essa mesma garantia lhe foi dada por Afonso Barroso, o vereador que “conduziu todo o processo” conducente à instalação da loja interactiva.
Instalada no edifício do Posto de Turismo, a loja de Vieira do Minho foi inaugurada em Julho de 2015. “É uma loja fundamental para a promoção turística do concelho”, acrescentou o presidente da câmara.
Afonso Barroso detém os pelouros de Gestão Económica e Financeira, Gestão e Modernização Administrativa, Recursos Humanos, Desenvolvimento Económico, Transportes e Parque de Viaturas.
PROCESSO AUTÓNOMO
A investigação sobre a instalação de lojas interactivas de turismo insere-se no âmbito da Operação Éter, mas o Ministério Público (MP) decidiu abrir um inquérito autónomo exclusivamente sobre aquela matéria.
O Ministério Público (MP) decidiu separar os processos na Operação Éter, continuando a investigar num inquérito autónomo os factos relacionados com as lojas interativas de turismo (LIT).
No despacho de acusação, o MP diz que quanto ao núcleo de factos em investigação, relacionado com a criação e instalação do projeto de Rede de Lojas Interativas, as diligências de investigação “ainda não estão concluídas, sendo necessário proceder à recolha de mais elementos de prova, quer documental, quer testemunhal, bem como constituir alguns agentes arguidos”.
“Assim, considerando que a recolha de prova se prevê morosa, o que não é compatível com o carácter urgente dos presentes autos que têm um arguido detido à sua ordem, determino a separação de processos em relação a estes factos”, refere o documento.
Melchior Moreira foi detido a 18 de Outubro de 2018 pela PJ e fez dia 25 um ano que aguarda julgamento em prisão preventiva no âmbito da Operação Éter, uma investigação sobre uma alegada viciação de procedimentos de contratação pública que culminou com a indiciação de cinco arguidos.
O ex-presidente da TPNP está acusado de 38 crimes (12 de participação económica em negócio, três de peculato de uso, três de peculato, nove de abuso de poder, um de corrupção passiva, sete de falsificação de documento e três de recebimento indevido de vantagem).
CÂMARAS COM LOJAS
Pelo menos 40 dos 63 municípios com lojas interactivas da TPNP efectuaram ajustes directos no total de 1,5 milhões de euros com a empresa Tomi World, cujo gerente foi constituído arguido no âmbito da Operação Éter.
De acordo com o portal BASE relativo a contratos públicos, os ajustes efectuados pelos municípios dizem respeito à instalação de lojas interactivas de turismo, aquisição e instalação de equipamentos informáticos e audiovisuais, aquisição de software e licenças à empresa.
De entre as 64 LIT elencadas pela TPNP na sua página oficial (incluindo a móvel), pelo menos 40 resultam de contratos realizados com a empresa Tomi World, sendo que o mais elevado, segundo dados do BASE, ascende a 67.361 euros, referente à loja da Póvoa de Varzim.
Da lista de ajustes directos entre municípios e a Tomi, fazem parte Arcos de Valdevez, Baião, Boticas, Braga, Caminha, Castelo de Paiva, Espinho, Fafe, Felgueiras, Lamego, Lousada, Marco de Canaveses, Melgaço e Mogadouro.
A lista completa-se com os municípios de Mondim de Basto, Montalegre, Paredes, Penafiel, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Póvoa de Varzim, Resende, Santa Maria da Feira, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Torre de Moncorvo, Trofa, Vale de Cambra, Valongo, Valpaços, Vieira do Minho, Vila Nova de Gaia, Vila Pouca de Aguiar, Vila Verde e Vizela.
Fora desta lista, mas com LIT, estão os concelhos de Amarante, Amares, Arouca, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Celorico de Basto, Cinfães, Esposende, Guimarães, Maia, Matosinhos, Monção, Oliveira de Azeméis, Paredes de Coura, Penedono, Porto, Santo Tirso, São João da Madeira, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Famalicão e Vila Real.
A TPNP tem ainda LIT no Aeroporto Sá Carneiro e em Santiago de Compostela, na Galiza, e a móvel, denominada TOPAS.
Já quanto a contratos celebrados entre a TPNP e a Tomi, segundo o portal BASE relativo a contratos públicos ascendem a 715.502 euros, entre os quais seis ajustes directos e dois concursos públicos (um de 309 mil euros e um segundo de 188 mil euros).
OPERAÇÃO ÉTER
A investigação iniciou-se há dois anos e tornou-se conhecida em Outubro de 2018. Em causa estão suspeitas de corrupção na contratação pública de serviços, retiradas após a realização de dezenas buscas em entidades públicas, sedes de empresas e habitações particulares, nas regiões de Porto, Gaia, Matosinhos, Lamego, Viseu e Viana do Castelo.
A presumível viciação dos contratos tem como peça central a TPNP, acusado de lesar o Estado em milhões de euros ao favorecer a concessão de ajustes directos, por parte de dezenas de autarquias do norte do país, a determinadas empresas e por valores muito acima do mercado – nalguns casos, até sem que o serviço fosse sequer prestado.
A PJ resumia: “a investigação, centrada na actividade de uma pessoa colectiva pública [o TPNP], determinou a existência de um esquema generalizado, mediante a actuação concertada de quadros dirigentes, de viciação fraudulenta de procedimentos concursais e de ajuste directo com o desiderato de favorecer primacialmente grupos de empresas, contratação de recursos humanos e utilização de meios públicos com vista à satisfação de interesses de natureza particular.”
Na altura, cinco pessoas foram detidas, entre elas o presidente do TPNP, Melchior Moreira, e outras ‘figuras de topo’ da organização pública de turismo: Isabel Castro, directora operacional do TPNP, Gabriela Escobar, jurista da mesma organização, Manuela Couto, empresária de comunicação, e José Agostinho, da sociedade Tomi World. Dos cinco, apenas Melchior Moreira ficou em prisão preventiva por perigo de perturbação do inquérito.
Agora, a Operação Éter atinge as câmaras municipais: mais de 60 autarcas são agora arguidos no processo, por causa das mesmas suspeitas de adjudicações directas viciadas de que Melchior Moreira é acusado.
Presume-se que o esquema funcionasse em circuito fechado através da instalação de LIT financiadas pelo TPNP, em diferentes municípios do norte do país. Essas autarquias contratavam os serviços de instalação e os equipamentos para as lojas a empresas indicadas pelo próprio TPNP, através de Melchior Moreira e de outros quadros dirigentes.
Fernando Gualtieri (CP 1200) com Expresso