A convivência entre os peões e as trotinetes está cada vez mais difícil em Braga. Acusados de pôr em perigo quem circula por passeios e zonas pedonais, os ‘trotineteiros’ parecem ter esquecido no fundo do bolso as alterações ao Código de Estrada introduzidas entre 2109 e este ano, regulamentando a utilização destes velocípedes a motor, agora transformados no “inimigo público número 1” do peão.
Além das inúmeras queixas nas redes sociais, são também muitas as que chegam ao PressMinho. Um morador da rua do Raio, no centro da cidade, por exemplo, escreve que fica “arrepiado” com o que vê da janela. “As trotinetes circulam à velocidade máxima pelos passeios, que são estreitos nesta rua, fazendo verdadeiros rallies por entre as pessoas”.
Contudo, o que “me arrepia mais” é a circulação das trotinetes na zona da Creche de Braga, sobretudo nas horas de saída e de entrada das crianças, algumas de colo. “Um dia acontece uma tragédia”, adverte.
Confessa que quando sai à rua tem que “prestar a atenção às trotinetes e ver se anda alguma para as imediações”. “Por que é que a PM [Polícia Municipal] não fiscaliza em vez de fechar os olhos a este escândalo?”, questiona.
Contactada pelo PressMinho sobre a existência (ou não) de queixas de cidadãos, acidentes e fiscalização, a PM remeteu os esclarecimentos para a Divisão da Mobilidade do município, que não respondeu em tempo útil.
“DOIDOS”
“Estes tipos das trotinetes andam feito doidos pelas ruas pedonais e passeios”, “parecem andar a gozar com os peões”, “fazem corridas entre eles para ver quem é o melhor”, “têm mania que são os maiores do mundo nas gincanas em que nós somos os mecos” ou “a PSP e a Polícia Municipal só se preocupam com multas de estacionamento”, são alguns dos desabafos bem-educados que circulam pelo Facebook. Outros são impublicáveis.
“Uma facebookista bracarense preocupada com os desmandos em Braga”, sintetiza as queixas naquela rede social: “Estes trotineteiros circulam a velocidades vertiginosas nos passeios e até na rua do Souto [rua pedonal do centro da cidade] sem o mínimo respeito pelos peões, passadeiras e sinalização. São o perigo n.º 1 para todos que andam a pé (velhos, crianças, famílias com carrinhos de bebé…) e ninguém faz nada!!!. Só quando morrer alguém?”.
Este post mereceu vários comentários, um deles de um automobilista que se queixa de, por “duas vezes”, ter sido ultrapassado por uma trotinete nas “bichas de semáforos”. “Uma vez no cruzamento da Avenida de Liberdade com a Rodovia, um deles meteu-se à minha frente quando o sinal abriu. Foi por sorte que não o levei à minha frente!”, conta.
QUESTÃO DE RESPEITO
Surpreendido pelo PressMinho a circular pelo passeio nas imediações do Centro de Vacinação de Braga, o estudante Adriano Meira, 21 anos, justificou a infracção ao Código da Estrada com o receio de andar pela rua. “Sempre que vejo um passeio desimpedido meto-me nele, porque não confio nos condutores”, explica.
Com família nos arredores de Nice, França, onde começou a utilizar a trotinete, Adriano reconhece que “o pessoal não cumpre” e “arrisca muito”.
Reconhece ainda que em comparação com França “o pessoal de cá não sabe comportar-se”. “Lá há mais respeito e quase toda a malta cumpre as regras”, realça. E queixa-se dos condutores portugueses: “Parece que não gostam das trotinetes; apertam-nos de propósito quando nos vêem a ultrapassá-los nas filas”.
“É por isso que prefiro os passeios”, justiça mais uma vez. “O que é preciso é respeitar toda a gente. É uma questão de respeito”, resume.
Assegura que não abandona a trotinete em qualquer local quando “acaba o tempo”. “Ponha-o encostada a uma parede”.
Contudo, o cenário que se encontra pela cidade contradiz Adriano. Por todo o lado encontram-se estes veículos ‘estacionados’ no sítio onde se esgotou o tempo, alguns no meio do passeio ou mesmos encostados a automóveis estacionados.
Trotinetes esquecidas dias seguidos um pouco por todo o lado tornou-se comum na paisagem citadina. E esta é outra crítica apontada às operadas privadas que contratualizaram com a Câmara Municipal a sua actividade no concelho, já que são obrigadas a efectuar a sua recolha atempadamente.
Um par delas já apareceu na Fonte Seiscentista do largo Carlos Amarante e outras duas nos parques de lazer das vilas das Taipas e de Ponte, em Guimarães, a 15 km de Braga…
ZONAS VERMELHAS?
A realidade parece desmentir João Rodrigues, vereador que tutela o Pelouro da Gestão do Espaço Público, que, em Setembro de 2019, apresentou a entrada em operação das trotinetes com uma “resposta segura”. Resta a “prática, ambientalmente responsável e confortável às necessidades de deslocação dentro da cidade” que se pretende “mais humanizada, sustentável e inclusiva, mas também mais inteligente e inovadora”.
Na altura, João Rodrigues explicou que foram definidas ‘Zonas Vermelhas’ na cidade (identificadas nas app das operadoras), havendo uma redução da velocidade máxima da trotinete nas
proximidades desses locais e o bloqueio das rodas no interior das áreas assinaladas como de “circulação proibida”.
“Estas zonas foram definidas no sentido de salvaguardar a segurança dos utilizadores vulneráveis, estejam eles a utilizar a trotinete, sejam eles peões”, explicou na altura.
As zonas inicialmente definidas como Zonas Vermelhas foram: rua Dom Diogo de Sousa, rua do Souto, rua Dom Paio Mendes, rua Dom Gonçalo Pereira, Rossio da Sé, rua da Misericórdia, rua Eça de Queirós, rua Dr. Justino Cruz, rua Francisco Sanches, rua de Janes, rua de S. Marcos, avenida da Liberdade, rua Dr. Gonçalo Sampaio, rodovia e circular urbana. Acontece que nestas artérias as trotinetes circulam aparentemente sem qualquer restrição. Daí que muitos se questionam sobre o que é feito destas Zonas Vermelhas.
Numa das fotos que ilustram esta reportagem vê-se uma trotinete a circular na avenida da Liberdade – uma Zona Vermelha – que quase desequilibrou um peão.
Não é claro quantas são as trotinetes das operadoras de mobilidade a operar na cidade, calculando-se que o seu número ronde o meio milhar, distribuídas por mais e duas dezenas de ‘hotspots’, locais devidamente sinalizados onde podem ser levantadas.
SAIBA O QUE ACONTECE EM CASO DE ACIDENTE
Como se vê, a convivência das trotinetes com os demais veículos no ambiente rodoviário levanta questões de segurança.
Por esta razão, a Fundação Mapfre em Espanha realizou dois crash-tests, que vieram mostrar que uma colisão, a apenas 25 km/h, de uma trotinete eléctrica contra um peão ou um veículo pode causar ferimentos graves ao condutor da trotinete e aos peões.
No primeiro teste de colisão, foi colocado um manequim em cima de uma trotinete a uma velocidade de 25 km/h. A trotinete colide lateralmente num monovolume, num ângulo de 90º, numa simulação do que poderia acontecer num cruzamento ou entroncamento.
A análise da colisão estabeleceu que a área do corpo mais afectada foi a da cabeça do utilizador da trotinete. Todavia, a região cervical também ficou exposta a um alto risco de lesões, devido ao possível efeito chicote no momento após a colisão, depois da cabeça bater no chão.
“As partes da cabeça não protegidas pelo capacete, como o rosto, são as que mais sofrem danos neste acidente”, afirma Jorge Ortega, coordenador do relatório.
No segundo teste, a trotinete atropela uma criança que circulava a pé. Fruto do embate mais do que o condutor da trotinete é a criança que sofre os ferimentos pessoais mais graves: lesões graves no joelho, tórax e cabeça, as partes do corpo que sofrem, em primeiro lugar e de forma violenta, com o impacto contra a coluna de direcção da trotinete e depois contra o solo.
A colisão também afecta os ombros da criança, já que, na queda, leva em cima com o peso do utilizador e da própria trotinete.
Recorde-se que as trotinetas são velocípedes equiparados às bicicletas, motivo pelo qual podem circular tanto nas vias rodoviárias como nas ciclovias, sendo estritamente proibido circular no passeio.
O Código de Estrada, através das novidades introduzidas em Janeiro deste ano refere ainda que “atendendo à proliferação de veículos equiparados a velocípedes que podem circular em pistas de velocípedes e em pistas mistas de velocípedes e peões, e à sua extrema perigosidade na partilha de espaço, restringe-se a equiparação a velocípedes apenas a veículos com potência máxima contínua de 0,25 kW [ou se se preferir, 250 Watts] e que não atinjam mais de 25 km/h de velocidade em patamar”.
Já o capacete não é obrigatório, mas “altamente recomendado”.
Fernando Gualtieri (CP 7889 A)